sexta-feira, 16 de abril de 2010

Duas canções, duas mortes no filme "Baile Perfumado"

Um dos mais belos frutos que o manguebeat – movimentação cultural em Recife nos anos 1990 – gerou está no cinema. Dentre algumas produções de Pernambuco da época, o filme "Baile Perfumado", de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, reina absoluto. Não por ser único, ao contrário. Mas pela bela narrativa, pela temática inusitada e, em especial, pela trilha sonora, composta pelos jovens que abalavam a cena musical local e do país na época.
Lançado em 1997, o filme conta a saga do cinegrafista Benjamin Abrahão, de origem libanesa, na tentativa de registrar imagens do bando de cangaceiros de Lampião no sertão nordestino na década de 1930. Imaginem a aventura que seria ir atrás de sanguinários bandidos, perseguidos pela polícia, para filmá-los e, com as imagens, montar um filme sobre eles!
Pois a trilha sonora tenta recuperar esse dinamismo. Para isso, utiliza-se da estética da mistura que o manguebeat inaugurou na música pop pernambucana. As músicas foram compostas por Chico Science, Lucio Maia (guitarrista da Nação Zumbi), Fred 04 (do Mundo Livre S/A) e Siba (então membro do Mestre Ambrósio).
Além das faixas que trabalham mais as sonoridades nordestinas, com rabeca e percussão, e as atmosferas do filme, há duas canções de destaque pelos arranjos, letras e as formas que dão à morte. Uma é "Sangue de Bairro", de Chico Science & Nação Zumbi, gravada no segundo disco da banda – "Afrociberdelia". A música é um xaxado sincopado transformado em hard core pela guitarra distorcida e pela voz gritada, mesclados às percussões e bateria.
A letra começa citando os nomes dos cangaceiros do bando de Lampião: “Bezouro, Moderno, Ezequiel, Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete, Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco, Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato, Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê”. Depois, desenha em palavras a cena angustiante da cabeça recém degolada rapidamente virada para o próprio corpo para vê-lo estrebuchar: “Quando degolaram minha cabeça/ Passei mais de dois minutos vendo meu corpo tremendo”. Ao final, surge a dúvida existencial de uma cabeça por não saber o que fazer: “E não sabia o que fazer/ Morrer, viver, morrer, viver!”
A segunda canção, "Angicos", em ritmo nordestino agalopado com sons sui generis de cítara indiana, traduz uma possível voz de Lampião quando é assassinado na fazenda de Angicos, em julho de 1938: “Eu tô indo pra Vênus/ Encontrar Maria”. Na letra, o cangaceiro diz que não dá ouvidos ao “seu doutor”, pois “O perfume que eu uso/ Não é como o seu”. Até que seu corpo cai e sua alma sai “... pra soltar raio lazer/ Pra lumiar/ As terras do Cariri”.
Duas canções, violência e salvação, duas maneiras de narrar a morte do herói bandido.

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