Se ele já foi ministro, bom ou mau, pouco importa. Mas, que o cara é bom mesmo como compositor, isso é verdade! Muitas das canções de Gilberto Gil são exemplos de construção criativa e informação cultural, sem deixar de tocar em rádios, fazer sucesso na boca do povo, participar de trilhas de novelas e se tornar jingle de comerciais de TV.
Um caso rico nesses quesitos todos é Pela Internet, gravada nos discos Quanta (1997) e Quanta gente veio ver (1998 – ao vivo e ganhador do Grammy de melhor disco de World Music). A letra descreve o desejo de entrar na Internet e se relacionar com o mundo pela rede mundial de informações digitais. Mas a aproximação com a web acontece sem deixar de lado os elementos de sua tradição. Gil retoma uma característica forte em seus trabalhos desde o tropicalismo que é a relação entre tradição e modernidade. Ele não quer simplesmente entrar na rede, mas pensa sua dinâmica a partir da vazante da maré, da jangada que veleja, da vontade de mandar um oriki (poema ou verso de saudação ou homenagem) de seu orixá. Ao mesmo tempo, globaliza a tradição ao propor juntar, pelo “infomar”, Taipé, Calcutá, Helsinque, Connecticut, Milão, Japão e Nepal.
O final da canção é a chave da teia de influências construída por Gil. Nas duas últimas linhas da letra, ele canta: “O chefe da polícia carioca avisa pelo celular / Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar”. Os que têm ouvidos mais apurados percebem que, neste trecho, ocorre uma mudança na harmonia e na melodia, como se fosse uma parte diferente do restante. Isso ocorre porque a letra faz uma paráfrase moderna do mítico samba Pelo telefone, de Donga e Mauro de Almeida, gravado por Baiano na Casa Edison, Rio de Janeiro, em 1917.
Em Pelo telefone, a frase é “O chefe da folia, pelo telefone, manda avisar / Que com alegria não se questione pra se brincar”. Porém, sabe-se que a versão gravada foi alterada e que a letra original, composta nas rodas de samba na casa da Tia Ciata, próxima da praça Onze, era “O chefe da polícia, pelo telefone, manda avisar / Que na Carioca tem uma roleta pra se jogar”. Com humor, essa versão criticava o delegado do Rio que fazia vista grossa com o jogo de azar na cidade.
O samba Pelo telefone é, na verdade, um maxixe. Porém, fez grande sucesso na época e transitou como poucos pelos níveis culturais popular (sua origem), erudito-letrado (foi registrado em partitura na Biblioteca Nacional, no Rio) e comercial-massivo (gravado em disco). Até hoje, os “bambas” estudiosos do samba o definem como um dos primeiros a marcar a história do gênero. Daí ter sido homenageado por cantores como Almirante, Martinho da Vila, Joyce, entre outros.
O que Gilberto Gil fez foi aumentar a lista de homenagens com a inteligente paráfrase que vincula a modernidade do mundo digital ao dado mítico de fundação do samba carioca concretizado no maxixe de Donga.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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segunda-feira, 1 de novembro de 2010
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