O período da história do Brasil que vai da Revolução de 1930 até 1945 é bastante curioso do ponto de vista da música popular.
A época marcou a ascensão de Getúlio Vargas na política nacional, um golpe de estado em 1937 com a implantação da ditadura do Estado Novo e culminou na sua deposição. É muito conhecida também pela expansão do rádio como veículo de massa e instrumento de controle ideológico da sociedade. Foi o início da chamada Era do Rádio, quando fazer sucesso nas emissoras, em especial na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, era a glória para cantores e cantoras.
Deixando o glamour de lado, o rádio foi muito controlado pelo governo. Um dos objetivos era melhorar modos considerados negativos para o país, como o malandro e a ideologia da malandragem, uma das maneiras que negros e mulatos pobres criaram para sobrevivência no novo mundo urbano, preconceituoso e competitivo que se abria.
Muitos sambas compostos entre o final da década de 1930 e início de 1940 foram censurados, sendo liberados apenas aqueles cujas letras enalteciam o trabalho, a família e o Brasil como país promissor. Nessa última categoria, há o clássico exemplo do samba-exaltação de Ari Barroso, Aquarela do Brasil, de 1939.
O dado curioso é que vários compositores eram bem mais malandros que os censores, o que, aqui entre nós, não é novidade alguma. Muitos conseguiam burlar a censura com muita criatividade. Um desses exemplos é o samba Izaura, de Herivelto Martins e Roberto Riberti.
A letra trata de um amor impedido de continuar porque, no dia seguinte, o rapaz precisava ir trabalhar. E ele diz claramente: “o trabalho é um dever / todos devem respeitar / oh, Izaura, me desculpe, no domingo eu vou voltar”. Existe aqui uma incompatibilidade. O homem gosta da mulher e quer ficar com ela. No entanto, pesa sobre ele a responsabilidade do trabalho. Tanto que fala à moça: “seu carinho é muito bom / ninguém pode contestar / se você quiser, eu fico / mas vai me prejudicar / eu vou trabalhar”.
Fica claro que trabalho não combina com prazer. Izaura também não é sua esposa, figura feminina que, pela ótica do Estado Novo, combina com a família e o trabalho. Assim, trabalho é apenas um dever e está longe de agradar a todos. Então, para que trabalhar?
Pode-se imaginar que o samba, sucesso no carnaval de 1945, fora lançado quando o governo Vargas estava no fim, já mais liberal e frouxo com a censura. Mas, não deixa de ser curiosa a forma criativa e inteligente que o compositor encontrou para criticar a ideologia do trabalho, coisa que todo mundo já sabia, exceto os censores.
Para quem quiser ouvir esse samba, conheço duas versões interessantes: uma mais brejeira gravada, em 1965, pelo Demônios da Garoa, e outra cheia de sutilezas feita, em 1977, pelo mestre João Gilberto acompanhado por Miúcha.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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quarta-feira, 30 de junho de 2010
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