Um dos mais belos frutos que o manguebeat – movimentação cultural em Recife nos anos 1990 – gerou está no cinema. Dentre algumas produções de Pernambuco da época, o filme "Baile Perfumado", de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, reina absoluto. Não por ser único, ao contrário. Mas pela bela narrativa, pela temática inusitada e, em especial, pela trilha sonora, composta pelos jovens que abalavam a cena musical local e do país na época.
Lançado em 1997, o filme conta a saga do cinegrafista Benjamin Abrahão, de origem libanesa, na tentativa de registrar imagens do bando de cangaceiros de Lampião no sertão nordestino na década de 1930. Imaginem a aventura que seria ir atrás de sanguinários bandidos, perseguidos pela polícia, para filmá-los e, com as imagens, montar um filme sobre eles!
Pois a trilha sonora tenta recuperar esse dinamismo. Para isso, utiliza-se da estética da mistura que o manguebeat inaugurou na música pop pernambucana. As músicas foram compostas por Chico Science, Lucio Maia (guitarrista da Nação Zumbi), Fred 04 (do Mundo Livre S/A) e Siba (então membro do Mestre Ambrósio).
Além das faixas que trabalham mais as sonoridades nordestinas, com rabeca e percussão, e as atmosferas do filme, há duas canções de destaque pelos arranjos, letras e as formas que dão à morte. Uma é "Sangue de Bairro", de Chico Science & Nação Zumbi, gravada no segundo disco da banda – "Afrociberdelia". A música é um xaxado sincopado transformado em hard core pela guitarra distorcida e pela voz gritada, mesclados às percussões e bateria.
A letra começa citando os nomes dos cangaceiros do bando de Lampião: “Bezouro, Moderno, Ezequiel, Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete, Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco, Volta Seca, Jararaca, Cajarana, Viriato, Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê”. Depois, desenha em palavras a cena angustiante da cabeça recém degolada rapidamente virada para o próprio corpo para vê-lo estrebuchar: “Quando degolaram minha cabeça/ Passei mais de dois minutos vendo meu corpo tremendo”. Ao final, surge a dúvida existencial de uma cabeça por não saber o que fazer: “E não sabia o que fazer/ Morrer, viver, morrer, viver!”
A segunda canção, "Angicos", em ritmo nordestino agalopado com sons sui generis de cítara indiana, traduz uma possível voz de Lampião quando é assassinado na fazenda de Angicos, em julho de 1938: “Eu tô indo pra Vênus/ Encontrar Maria”. Na letra, o cangaceiro diz que não dá ouvidos ao “seu doutor”, pois “O perfume que eu uso/ Não é como o seu”. Até que seu corpo cai e sua alma sai “... pra soltar raio lazer/ Pra lumiar/ As terras do Cariri”.
Duas canções, violência e salvação, duas maneiras de narrar a morte do herói bandido.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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sexta-feira, 16 de abril de 2010
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