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domingo, 18 de setembro de 2011

A crítica de Carlinhos Lyra à bossa nova

A bossa nova promoveu uma forte mudança na música popular brasileira no final dos anos 1950 ao sofisticar o samba e elitizar seu público. No entanto, bastou pouco tempo para alguns compositores de seu grupo inicial tentarem outra guinada. Um deles foi Carlinhos Lyra.
Na década seguinte, o debate político era grande e as esquerdas tentavam demonstrar sua visão sobre a sociedade. Em dezembro de 1961, a União Nacional dos Estudantes (UNE) criou o primeiro Centro Popular de Cultura (CPC), órgão que se multiplicou pelo país para produzir arte (livros de poesia, filme, peças de teatro, discos) engajada, que denunciasse a miséria e a exploração social. Na música popular, um de seus articuladores foi Carlinhos Lyra, que compôs os temas do filme Cinco vezes favela, único produzido pelo CPC, em 1962.
Ao alinhar-se com o CPC, o compositor foi de encontro ao elitismo zona sul da bossa nova e passou a construir um repertório com temáticas sociais e musicalmente mais próximo do que pensava serem as raízes musicais nacionais. Não se opôs frontalmente aos bossanovistas, já que manteve o rebuscamento harmônico nas músicas, mas algumas letras suas e de seus parceiros passaram a enfatizar o social.
Essas posições ficaram claras no seu 3º disco, Depois do carnaval – o sambalanço de Carlos Lyra, de 1963. Uma das canções é Marcha da quarta-feira de cinzas, parceria com Vinícius de Moraes, cuja letra metaforiza o golpe militar, que pareciam prever, com o dia depois do carnaval, quando a cidade perde a alegria e passivamente espera pelo próximo ano para voltar a sorrir. Em outra composição, O melhor, mais bonito, é morrer, parceria com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), a postura é nítida: “Já que não há o que fazer/ Se não há onde trabalhar/ Se meu braço tem de parar/ O melhor, mais bonito, é morrer”.
A mais interessante, sem parceiro, é Influência do jazz, direta ao denunciar o que estragou o balanço do samba: “Pobre samba meu/ Foi se misturando se modernizando, e se perdeu/ E o rebolado cadê? Não tem mais/ Cadê o tal gingado que mexe com a gente/ Coitado do meu samba, mudou de repente/ Influência do jazz”. Curiosamente, Lyra usa um arranjo jazzístico para, com ironia, mostrar sua crítica. Chega a citar na letra e no instrumental a música cubana, para fazer um paralelo com o que o jazz fez a ela: “No afro-cubano, vai complicando/ Vai pelo cano, vai/ Vai entortando, vai sem descanso/ Vai, sai, cai... no balanço!”. Por fim, propõe ao samba o retorno às raízes e a negação da modernidade: “Pobre samba meu/ Volta lá pro morro e pede socorro onde nasceu/ Pra não ser um samba com notas demais/ Não ser um samba torto pra frente pra trás/ Vai ter que se virar pra poder se livrar/ Da influência do jazz”.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

João Gilberto 80 e "Chega de saudade"

Aproveitando os 80 anos de João Gilberto, é oportuno relembrar uma música representativa da importância que tem na bossa nova. O exemplo da estética do “banquinho e violão” é Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, expressiva dupla de compositores da música brasileira, na sua interpretação clássica feita por João entre 1958 e 1959.
Dentre as várias novidades desse samba, dois pontos são básicos. Um deles está na construção de acordes que acompanha a melodia do canto. Se a tonalidade em ré menor indica já um tom sentimental na harmonia, a diferença está nos acordes invertidos com terças, quintas, sétimas e nonas no baixo em vez da tradicional tônica (a nota que dá nome ao acorde), coisas não tão usadas pelos músicos de samba na época. Tom colocou as inversões para alterar o acompanhamento de uma melodia também diferente para os padrões do samba.
Um segundo ponto está na letra, com uma grande inversão da noção de amor. Nos anos 1950, o samba-canção trazia a marca da dor de cotovelo, do amor impossível ou não correspondido. Chega de saudade também começa assim, com o amante reclamando penosamente a saudade da mulher amada. Pede que ela volte, pois não aguenta a saudade e “que sem ela não há paz / não há beleza / é só tristeza...”.
No entanto, a surpresa aparece no meio da letra quando Vinícius muda o sentido da dor de amor apresentada no início. A partir da frase “Mas, se ela voltar, se ela voltar...”, percebe-se que o amante se livra da saudade e projeta o encontro com a amada como num sonho: “Que coisa linda, que coisa louca”. Inclusive, compara o grande número de beijos que dará em sua boca com o número de “peixinhos” (o diminutivo aumenta o tom carinhoso de quem fala) no mar! O mesmo ocorre com os abraços, repetidos para indicar as loucuras de amor imaginadas numa espécie hipérbole sensual.
Acompanhando essa mudança na letra, há também uma alteração na harmonia, percebida pela colocação de um acorde com sétima maior no início daquela frase. Isso faz com que a música se “solte” e expresse com melhor nitidez a vontade de amor do personagem, como se o som “ajudasse” o cantor a mudar seu modo de falar.

A canção fora gravada por Elizeth Cardoso, no início de 1958, no LP Canção do amor demais (selo Festa), com o acompanhamento da famosa batida do violão de João Gilberto. Esse elemento rítmico criado pelo músico baiano e gravado pela primeira vez nesse disco é outro ingrediente de inovação.
Entre julho e agosto daquele mesmo ano, João lança pela Odeon a bolacha de 78 rpm com Chega de saudade, de um lado do disco, e Bim bom, do outro. Em 1959, sai seu primeiro LP com, novamente, essa gravação.