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segunda-feira, 11 de julho de 2011

O antropofágico Pepeu Gomes

Um dos aspectos mais marcantes no trabalho dos Novos Baianos a partir da entrada de Pepeu Gomes foi a junção da guitarra e da sonoridade “roqueira” com ritmos brasileiros. Caetano Veloso e os Beat Boys já haviam feito isso em 1967, na música Alegria, alegria, no Festival da Record. Nesse mesmo festival, Gilberto Gil e os Mutantes também marcaram a mesma mistura em Domingo no parque. Mas, foi Pepeu que aprofundou os contatos no campo estritamente musical, mesclando características melódicas do choro, os ritmos do samba e do frevo com a distorção e as escalas do rock.
É por isso que esse músico foi fundamental para a construção da identidade sonora dos Novos Baianos. Sua formação ouvindo os chorões Waldir Azevedo e Jacob do Bandolim, e guitarristas como Jimi Hendrix, somada à intuição e ao instinto experimental, deram a ele rara capacidade de trabalhar distintos idiomas de seus instrumentos básicos: violão, guitarra, cavaquinho e bandolim.
Ainda como convidado no primeiro disco da banda – É ferro na boneca! (1970) – essas mesclas apareceram muito limitadas, ainda presas aos padrões ingênuos do rock da época. No segundo trabalho, o hoje clássico Acabou chorare (1972), as misturas são mais produtivas e consistentes. (Ver post de 24/abril/2011 neste blog). Em Preta pretinha, os solos de craviola usam escalas pentatônicas características do rock com melodias do choro. Algo parecido se ouve no samba Swing em Campo Grande: nos solos de violão e craviola de Pepeu é possível ouvir, como pequenas citações, fraseados “roqueiros” em meio ao arranjo acústico do regional que acompanha a voz.

No terceiro disco – Novos Baianos F.C. (1973) – um exemplo foi o inusitado arranjo para a regravação do clássico de Dorival Caymmi Samba da minha terra (original de 1940). Mantida a cadência rítmica do samba, ganha destaque o som distorcido da guitarra de Pepeu no riff principal da música e no solo construído com a linguagem melódica do rock. É possível observar detalhes do desempenho do guitarrista na versão ao vivo no filme Novos Baianos F.C., feito por Solano Ribeiro, também em 1973, para uma emissora de TV alemã.

Além desses exemplos, a guitarra distorcida apareceu com força no sétimo disco da banda, Praga de baiano (1977), já sem Moraes Moreira e o baixista Dadi. Neste trabalho, Pepeu assumiu de vez os arranjos com grande destaque para seu instrumento e o grupo se engajou no frevo, chegando inclusive a montar um trio elétrico para sair no carnaval baiano. Em várias faixas, o ritmo é tocado no padrão eletrificado e dá condições para o músico demonstrar sua habilidade, como se ouve nas músicas Pegando fogo e Luzes no chão.

domingo, 24 de abril de 2011

Um brilhante disco simples dos Novos Baianos

Depois do primeiro disco, nada melhor do que o segundo de grande sucesso. Foi o que ocorreu com o grupo Novos Baianos em 1972 ao lançar o LP Acabou Chorare, pela Som Livre. Surgido como quarteto, composto por Luiz Galvão, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo (do Brasil), neste segundo trabalho Pepeu Gomes, Dadi, Jorginho Gomes e os percussionistas Bola e Baxinho foram incorporados à banda.
Que o LP é um marco na MPB, todos sabem. Que fora eleito por críticos como o mais importante disco da música brasileira, numa enquete feita pela revista Rolling Stone, em 2007, também não é novidade. Que o grupo tem lugar garantido na história musical do país, ninguém duvida. A questão é saber o que fez esse trabalho ter sido assim reconhecido. A resposta não é fácil e se encontra em cada meandro sonoro de cada faixa.
Uma das qualidades está nas letras. Neste caso, o grande responsável é Luiz Galvão, criador das letras normalmente musicadas por Moraes. Seu texto é leve, coloquial e, ao mesmo tempo, certeiro no uso das palavras. Delas, aproveita seus mais profundos sentidos, como em Preta, pretinha, uma das canções mais tocadas dos Novos Baianos. Feita para uma menina que lhe interessava na época, o compositor cria várias situações em que a figura da mulher aparece, porém, sem ser invasivo, sem nomeá-la. Ou ainda na canção que dá nome ao disco. Nela, a ingenuidade das palavras (a autora da expressão “acabou chorare” é Bebel Gilberto que a pronunciou quando pequena) e a meiguice das situações são costuradas numa lenta e sinuosa melodia de bossa nova.
Se algumas letras trazem um trato lúdico com a sonoridade das palavras, como na rítmica frase de Besta é tu, quase metáfora percussiva do samba quando cantada repetidamente, há aquelas que desenham o modo de vida comunitário da banda (que morou num sítio em Jacarepaguá), como em O mistério do planeta, hino à contracultura nacional.

O segundo aspecto importante do disco são os arranjos e performances instrumentais. A regravação de Brasil pandeiro, como sugestão do amigo e incentivador João Gilberto, deu nova cara ao samba exaltação de Assis Valente, lançado em 1940 pelos Anjos do Inferno (Ver post de jan/2010 neste blog), sobretudo pelos solos de craviola e cavaquinho em contraponto feitos por Pepeu Gomes.

Já na canção Tinindo, trincando, além da interpretação de Baby, temos exemplo da antropofágica mistura de rock e baião: rock numa parte com característico riff de guitarra, e baião noutro trecho, porém, mantendo a sonoridade roqueira dos instrumentos. A instrumental Um bilhete pra Didi mostra nos músicos não apenas qualidade técnica, mas também rara sensibilidade por meio das dinâmicas que o arranjo desenvolve.
Acabou chorare fora nada mais do que um disco simples e sincero, com canções bem compostas e muito bem arranjadas. Porém, como tudo que é simples, difícil de fazer bem feito.