Nas últimas décadas, uma forma curiosa de colagem sonora tem sido utilizada, não sem muitas polêmicas. Me refiro ao trabalho dos DJs na música eletrônica e no hip-hop. Como já indiquei (post de 22/jun/2010), o DJ surgiu no contexto do rádio. Era o disc jóquei, um profissional que organizava a programação da emissora, definia o que era tocado e, principalmente, se responsabilizava pelos lançamentos.
Atualmente, esse personagem desapareceu do contexto radiofônico e migrou para as festas rave e para o hip hop, com outras funções. Agora, esse artista manipula discos, aparelhos toca-discos, mesa de mixagens e samplers, anima festas com misturas de gêneros e múltiplas citações musicais.
Alguns o qualificam como tratante. Numa coluna na revista Rolling Stone, li uma vez o que Miguel Sokol comentava sobre o DJ: “Desde quando DJ toca alguma coisa? Por mais feeling que tenham, por mais mortal que seja a acrobacia deles, o que toca é o disco. O DJ, sejamos sinceros, não faz mais do que gozar com o pau dos outros”.
De imediato, é difícil não concordar com Sokol. Ainda mais pensando nos tristes exemplos que ele cita: Boy George (que já foi de tudo na vida), Glen Matlock (baixista dos Sex Pistols que nem terminou de gravar o único disco do grupo, Never Mind the Bollocks, e foi mandado embora da banda) e Andy Rourke (um dos Smiths à sombra de Morrisey).
No entanto, a análise não pode parar por aí. Há trabalhos bem bacanas e criativos na cena eletrônica que vão num sentido contrário a esses indicados pelo autor. Um deles é o do DJ Dolores. Seu conhecimento dos ritmos tradicionais do nordeste e sua capacidade de juntar sonoridades específicas o fazem um mestre nessa área.
O mesmo é possível dizer do DJ Patife, bastante eficiente e inovador nos trabalhos com Fernanda Porto, musicista e compositora que explora com critérios os recursos da eletrônica.
DJ sério é aquele que pesquisa músicas e timbres, que grava discos de vinil com prensagem única (dubplates) identificadores de sua originalidade, que tem sensibilidade para novas misturas, que tem senso rítmico para os scratchs (ruídos rítmicos criados pelo vai-e-vem da agulha nos sulcos do vinil) e usa com destreza os infinitos recursos eletrônicos do sampler.
Este equipamento (verdadeiro totem da eletrônica) permite séries de efeitos de colagem e, por isso, a música assim produzida acaba por se fundamentar numa lógica de “pilhagem”. Ora identificando os trechos gravados de canções, ora brincando com misturas de timbres e sonoridades, o DJ é um artista eminentemente experimental que descobre soluções a partir de muitas tentativas. Sim, podemos dizer intuitivas. Da mesma forma que fazem os tais “músicos de ouvido”, de cuja intuição musical brotam ótimas composições e execuções.
A verdade é que os DJs se fundamentam na nova estética musical baseada na cada vez mais intensa mediação tecnológica digital.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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quinta-feira, 10 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de junho de 2010
Que samba é esse, Fernanda?
Uma interessante experimentação na música popular brasileira tem a ver com o uso de aparelhos eletrônicos (sequenciadores, samplers, bateria eletrônica) e com a figura do DJ. Esses equipamentos criaram possibilidades de realizar colagens antes apenas imaginadas ou feitas com algumas limitações.
Quanto ao DJ, a novidade de uns anos para cá é seu status. Se nas décadas de 1950 e 1960 ele era um importante intermediário entre emissoras de rádio, gravadoras e ouvintes, nos últimos anos ganhou outro caráter ao animar raves, manusear sons em aparelhos eletrônicos e, sem ser tradicionalmente um músico, proporcionar ao público uma música dançante. Nas suas discotecagens, vale a criatividade em mixar trechos de canções, alterar andamentos e timbres, criar efeitos mecânicos (como o scratch – ruídos rítmicos feitos ao movimentar um disco no toca-discos) e eletrônicos (sampling, reverb, pitch etc.).
Mas a tecnologia não faz tudo sozinha. Sempre é necessário alto grau de criatividade e bom repertório. Por isso, cito o trabalho da compositora, musicista e cantora Fernanda Porto, que tem muito a ver com esse cenário. Formada em harmonia, composição e canto lírico e autora de trilhas de filmes, Fernanda pendeu seu trabalho para a música eletrônica, em especial o drum’n’bass, desde o final dos anos 1990. Em 2001, fez uma versão eletrônica do clássico Só tinha de ser com você, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, e no ano seguinte gravou seu primeiro CD pelo selo Trama, com vários sucessos tocados nas rádios.
Inteligente que é, a divulgação massiva não limitou o trabalho da compositora aos padrões do consumo musical. Uma das faixas mais criativas desse disco é a conhecida Sambassim, de Fernanda e Alba Carvalho. A letra fala da realização de um samba, sem seus instrumentos usuais, por uma pessoa que não sabe nada disso, mas sempre ouviu um batuque. Para realizar a façanha, diz que vai “samplear reco-reco e agogô” e misturar “com guitarra e drum’n’bass / Só pra ver como é que fica / Eletrônico o couro da cuíca”. Se surge a dúvida se esse samba é samba mesmo (“De bit acelerado será que é samba assim?”), ela logo se resolve na afirmativa: “De bit acelerado é samba, sim”.
O legal é que a instrumentação também fala do samba, numa saborosa metalinguagem. Voz e violão somam-se às programações eletrônicas. Não há percussões acústicas, apenas sons sampleados desses instrumentos. O ritmo sincopado do samba, perceptível nos “falsos” pandeiros, apitos e tamborins, se mistura ao drum’n’bass, num paralelo entre a divisão rítmica do agogô, da cuíca e de frases do canto. Por exemplo, quando Fernanda canta o trecho “Vou samplear reco-reco e agogô”, a divisão das notas e das sílabas do canto reproduzem a rítmica desses instrumentos.
Há ainda um dúbio jogo fonético no título da canção: funciona ora como “samba assim”, ou seja, desse novo jeito, ou como “samba sim”, que afirma esse tipo eletrônico de samba. Ao final, fica a sentença positiva na letra: “Sim, ficou um samba, sim / Com pandeiro e tamborim / E já penso que sei tudo de samba / Vou sampleando e sambando, sou bamba”.
Ziriguidum!
Quanto ao DJ, a novidade de uns anos para cá é seu status. Se nas décadas de 1950 e 1960 ele era um importante intermediário entre emissoras de rádio, gravadoras e ouvintes, nos últimos anos ganhou outro caráter ao animar raves, manusear sons em aparelhos eletrônicos e, sem ser tradicionalmente um músico, proporcionar ao público uma música dançante. Nas suas discotecagens, vale a criatividade em mixar trechos de canções, alterar andamentos e timbres, criar efeitos mecânicos (como o scratch – ruídos rítmicos feitos ao movimentar um disco no toca-discos) e eletrônicos (sampling, reverb, pitch etc.).
Mas a tecnologia não faz tudo sozinha. Sempre é necessário alto grau de criatividade e bom repertório. Por isso, cito o trabalho da compositora, musicista e cantora Fernanda Porto, que tem muito a ver com esse cenário. Formada em harmonia, composição e canto lírico e autora de trilhas de filmes, Fernanda pendeu seu trabalho para a música eletrônica, em especial o drum’n’bass, desde o final dos anos 1990. Em 2001, fez uma versão eletrônica do clássico Só tinha de ser com você, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, e no ano seguinte gravou seu primeiro CD pelo selo Trama, com vários sucessos tocados nas rádios.
Inteligente que é, a divulgação massiva não limitou o trabalho da compositora aos padrões do consumo musical. Uma das faixas mais criativas desse disco é a conhecida Sambassim, de Fernanda e Alba Carvalho. A letra fala da realização de um samba, sem seus instrumentos usuais, por uma pessoa que não sabe nada disso, mas sempre ouviu um batuque. Para realizar a façanha, diz que vai “samplear reco-reco e agogô” e misturar “com guitarra e drum’n’bass / Só pra ver como é que fica / Eletrônico o couro da cuíca”. Se surge a dúvida se esse samba é samba mesmo (“De bit acelerado será que é samba assim?”), ela logo se resolve na afirmativa: “De bit acelerado é samba, sim”.
O legal é que a instrumentação também fala do samba, numa saborosa metalinguagem. Voz e violão somam-se às programações eletrônicas. Não há percussões acústicas, apenas sons sampleados desses instrumentos. O ritmo sincopado do samba, perceptível nos “falsos” pandeiros, apitos e tamborins, se mistura ao drum’n’bass, num paralelo entre a divisão rítmica do agogô, da cuíca e de frases do canto. Por exemplo, quando Fernanda canta o trecho “Vou samplear reco-reco e agogô”, a divisão das notas e das sílabas do canto reproduzem a rítmica desses instrumentos.
Há ainda um dúbio jogo fonético no título da canção: funciona ora como “samba assim”, ou seja, desse novo jeito, ou como “samba sim”, que afirma esse tipo eletrônico de samba. Ao final, fica a sentença positiva na letra: “Sim, ficou um samba, sim / Com pandeiro e tamborim / E já penso que sei tudo de samba / Vou sampleando e sambando, sou bamba”.
Ziriguidum!
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