O rock progressivo é amado e odiado. Pior, parece que os argumentos contrários são quase os mesmos usados em favor dele. Quem o critica diz que é música sem graça, para poucos ouvirem, que não dá para dançar e pouco toca no rádio. Os que gostam dizem que ela tem graça, não é música fácil, é impossível dançá-la e não é martelada no rádio. Na verdade, os segundos gostam porque observam as sutilezas e experimentações nos arranjos e letras.
A sofisticação do rock progressivo (também chamado de art rock) distancia o gênero dos padrões da canção de sucesso. No entanto, no início dos anos 1970, grupos britânicos como Genesis, Yes, Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson, Gentle Giant e Emerson, Lake & Palmer faziam sucesso, tinham público cativo e seus discos estavam presentes nas paradas de rock. Não era, obviamente, um sucesso estrondoso, mas vendiam muito bem.
A questão é que o progressivo é música de apuro técnico e está longe dos padrões estabelecidos, não sendo pensada em função do mercado. Nasceu produzida por jovens ingleses, alguns com formação clássica, que juntaram a sonoridade do rock com as complexidades melódica e harmônica da música erudita. Esteve vinculada à contracultura, às “viagens” alucinantes da época (as capas dos discos mostram isso!) e aproveitou a presença de instrumentos eletrônicos (sintetizador) e a produção visual dos grandes concertos.
Um grupo importante foi o Yes, fundado em 1968 pelo baixista Chris Squire e pelo vocalista Jon Anderson, e que, entre idas e vindas, está ativo até hoje. A canção Heart of the sunrise é bom exemplo da criatividade da banda. Ela está no quarto álbum, Fragile, gravado no final de 1971, lançado em 1972 e que marca a entrada de Rick Wakeman nos teclados. No vinil, é a última faixa do lado B e tem quase 11 minutos de duração.
A música tem várias partes, como é típico do gênero. A introdução traz um riff pesado de guitarra e baixo num compasso de 6 tempos. Depois, uma parte de funk lento com uma frase de baixo e a marcação de bateria de Bill Bruford cheia de contratempos. Quando a voz entra, em andamento lento, percebe-se que a letra fala de amor usando metáforas do sol nascente e do vento. Nos intervalos das estrofes, pequenos trechos em 5 tempos alteram a sensação de continuidade da canção, como se testassem a atenção do ouvinte. O canto segue progressivamente até retomarem o riff da introdução.
O caráter sinfônico do arranjo (característica do progressivo) aparece na profusão de partes e contrapontos (melodias diferentes tocadas simultaneamente) e nos arranjos vocais. Aqui, mais do que meros acompanhantes, instrumentos e vozes constroem diálogos, ajudam a contar a narrativa da letra, criam climas e ambientações que dão sentido à canção.
Nos videos abaixo, Heart of the sunrise é tocada ao vivo com dois bateristas (Alan White e Bruford), dois tecladistas (Tony Kaye e Wakeman) e dois guitarristas (Steve Howe e Trevor Horn) que passaram pela banda, além de Squire e Anderson.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Suicídio natalino
As recentes comemorações do Natal nos fazem lembrar da marchinha Boas festas, gravada por Carlos Galhardo e os Diabos do Céu, em 1933, com orquestração de Pixinguinha. Tremendo sucesso naquele ano e em vários outros, certamente está nos ouvidos de muita gente até hoje: “Anoiteceu/ O sino gemeu/ A gente ficou/ Feliz a rezar/ Papai Noel/ Vê se você tem/ A felicidade/ Pra você me dar”.
Composta um ano antes por Assis Valente, mulato baiano que veio ao Rio de Janeiro ganhar a vida, a canção tem forte tom melancólico contraposto à alegria natalina. O próprio Assis explicou o momento de inspiração: “Eu estava em Icaraí, longe da família e sem notícias dos meus. Uma tristeza forte me invadiu pouco a pouco”. Um quadro pendurado na parede com o desenho de uma menina impressionou o compositor e levou-o a pedir ao Bom Velhinho a felicidade de volta. Como ela não foi trazida, sua conclusão está no trecho da canção: “Já faz tempo que eu pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem/ Com certeza já morreu/ Ou então felicidade/ É brinquedo que não tem”.
No fundo, a letra revela a tristeza na vida de Assis. Separado da mãe, fora criado pessimamente por outra família. Viveu em circo e trabalhou numa farmácia até chegar ao Rio para se tornar protético. Em 1932, teve sua primeira composição gravada com sucesso pela cantora Araci Cortes, o samba Tem francesa no morro, cuja letra satirizava o uso frequente do francês no vocabulário das pessoas.
Daí para frente teve muitas músicas solicitadas por cantores. Conheceu Carmen Miranda, sua maior intérprete, para quem compôs sucessos como E o mundo não se acabou, Camisa listrada e Recenseamento. Até que, em 1939, Carmen foi para os EUA e deixou de gravar suas canções. Até mesmo o famoso samba-exaltação Brasil pandeiro fora descartado pela Pequena Notável e gravado pelos Anjos do Inferno em 1940.
Nos anos 1940 e 1950, suas composições foram pouco a pouco sendo deixadas de lado por cantores famosos. Acumulou dívidas e sua vida piorou. Esses problemas e outros particulares fizeram-no, por duas vezes, tentar pôr fim à vida: numa delas, jogou-se do Corcovado, mas foi salvo por um galho de árvore; noutra, cortou os pulsos com navalha e novamente teve salvação. O suicídio só ocorreu em 11 de março de 1958, ao tomar cianeto com guaraná.
Por sua qualidade, a obra de Assis Valente nunca deixou de ser gravada. Uma das mais recentes é o samba Alegria, no primeiro CD de Vanessa da Matta. Recebeu também inúmeras homenagens de variados intérpretes. Certamente, a mais honesta e polêmica foi feita em 23 de dezembro de 1968, na TV Tupi, no programa Divino Maravilhoso, comandado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em plena revolução tropicalista: ao vivo, Caetano cantou Boas festas olhando para a câmera com um revólver apontado para sua cabeça.
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