sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O rock sinfônico do Yes

O rock progressivo é amado e odiado. Pior, parece que os argumentos contrários são quase os mesmos usados em favor dele. Quem o critica diz que é música sem graça, para poucos ouvirem, que não dá para dançar e pouco toca no rádio. Os que gostam dizem que ela tem graça, não é música fácil, é impossível dançá-la e não é martelada no rádio. Na verdade, os segundos gostam porque observam as sutilezas e experimentações nos arranjos e letras.
A sofisticação do rock progressivo (também chamado de art rock) distancia o gênero dos padrões da canção de sucesso. No entanto, no início dos anos 1970, grupos britânicos como Genesis, Yes, Pink Floyd, Jethro Tull, King Crimson, Gentle Giant e Emerson, Lake & Palmer faziam sucesso, tinham público cativo e seus discos estavam presentes nas paradas de rock. Não era, obviamente, um sucesso estrondoso, mas vendiam muito bem.
A questão é que o progressivo é música de apuro técnico e está longe dos padrões estabelecidos, não sendo pensada em função do mercado. Nasceu produzida por jovens ingleses, alguns com formação clássica, que juntaram a sonoridade do rock com as complexidades melódica e harmônica da música erudita. Esteve vinculada à contracultura, às “viagens” alucinantes da época (as capas dos discos mostram isso!) e aproveitou a presença de instrumentos eletrônicos (sintetizador) e a produção visual dos grandes concertos.
Um grupo importante foi o Yes, fundado em 1968 pelo baixista Chris Squire e pelo vocalista Jon Anderson, e que, entre idas e vindas, está ativo até hoje. A canção Heart of the sunrise é bom exemplo da criatividade da banda. Ela está no quarto álbum, Fragile, gravado no final de 1971, lançado em 1972 e que marca a entrada de Rick Wakeman nos teclados. No vinil, é a última faixa do lado B e tem quase 11 minutos de duração.
A música tem várias partes, como é típico do gênero. A introdução traz um riff pesado de guitarra e baixo num compasso de 6 tempos. Depois, uma parte de funk lento com uma frase de baixo e a marcação de bateria de Bill Bruford cheia de contratempos. Quando a voz entra, em andamento lento, percebe-se que a letra fala de amor usando metáforas do sol nascente e do vento. Nos intervalos das estrofes, pequenos trechos em 5 tempos alteram a sensação de continuidade da canção, como se testassem a atenção do ouvinte. O canto segue progressivamente até retomarem o riff da introdução.
O caráter sinfônico do arranjo (característica do progressivo) aparece na profusão de partes e contrapontos (melodias diferentes tocadas simultaneamente) e nos arranjos vocais. Aqui, mais do que meros acompanhantes, instrumentos e vozes constroem diálogos, ajudam a contar a narrativa da letra, criam climas e ambientações que dão sentido à canção.
Nos videos abaixo, Heart of the sunrise é tocada ao vivo com dois bateristas (Alan White e Bruford), dois tecladistas (Tony Kaye e Wakeman) e dois guitarristas (Steve Howe e Trevor Horn) que passaram pela banda, além de Squire e Anderson.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Suicídio natalino


As recentes comemorações do Natal nos fazem lembrar da marchinha Boas festas, gravada por Carlos Galhardo e os Diabos do Céu, em 1933, com orquestração de Pixinguinha. Tremendo sucesso naquele ano e em vários outros, certamente está nos ouvidos de muita gente até hoje: “Anoiteceu/ O sino gemeu/ A gente ficou/ Feliz a rezar/ Papai Noel/ Vê se você tem/ A felicidade/ Pra você me dar”.
Composta um ano antes por Assis Valente, mulato baiano que veio ao Rio de Janeiro ganhar a vida, a canção tem forte tom melancólico contraposto à alegria natalina. O próprio Assis explicou o momento de inspiração: “Eu estava em Icaraí, longe da família e sem notícias dos meus. Uma tristeza forte me invadiu pouco a pouco”. Um quadro pendurado na parede com o desenho de uma menina impressionou o compositor e levou-o a pedir ao Bom Velhinho a felicidade de volta. Como ela não foi trazida, sua conclusão está no trecho da canção: “Já faz tempo que eu pedi/ Mas o meu Papai Noel não vem/ Com certeza já morreu/ Ou então felicidade/ É brinquedo que não tem”.
No fundo, a letra revela a tristeza na vida de Assis. Separado da mãe, fora criado pessimamente por outra família. Viveu em circo e trabalhou numa farmácia até chegar ao Rio para se tornar protético. Em 1932, teve sua primeira composição gravada com sucesso pela cantora Araci Cortes, o samba Tem francesa no morro, cuja letra satirizava o uso frequente do francês no vocabulário das pessoas.
Daí para frente teve muitas músicas solicitadas por cantores. Conheceu Carmen Miranda, sua maior intérprete, para quem compôs sucessos como E o mundo não se acabou, Camisa listrada e Recenseamento. Até que, em 1939, Carmen foi para os EUA e deixou de gravar suas canções. Até mesmo o famoso samba-exaltação Brasil pandeiro fora descartado pela Pequena Notável e gravado pelos Anjos do Inferno em 1940.
Nos anos 1940 e 1950, suas composições foram pouco a pouco sendo deixadas de lado por cantores famosos. Acumulou dívidas e sua vida piorou. Esses problemas e outros particulares fizeram-no, por duas vezes, tentar pôr fim à vida: numa delas, jogou-se do Corcovado, mas foi salvo por um galho de árvore; noutra, cortou os pulsos com navalha e novamente teve salvação. O suicídio só ocorreu em 11 de março de 1958, ao tomar cianeto com guaraná. 
Por sua qualidade, a obra de Assis Valente nunca deixou de ser gravada. Uma das mais recentes é o samba Alegria, no primeiro CD de Vanessa da Matta. Recebeu também inúmeras homenagens de variados intérpretes. Certamente, a mais honesta e polêmica foi feita em 23 de dezembro de 1968, na TV Tupi, no programa Divino Maravilhoso, comandado por Caetano Veloso e Gilberto Gil em plena revolução tropicalista: ao vivo, Caetano cantou Boas festas olhando para a câmera com um revólver apontado para sua cabeça.