Instrumentos musicais não têm sexo. São as culturas e as sociedades que dão determinados sentidos de gênero a eles. O baixo, por exemplo, seja acústico ou elétrico, tem sido visto como instrumento masculino não só pelo tamanho ou pela forte tensão das cordas, mas principalmente pelo seu timbre grave como a voz do homem.
Porém, como cultura não é ditadura, isso não quer dizer que não existam mulheres baixistas. No Brasil, temos Lelena Anhaia, que tocou no grupo Luni e nas Orquídeas do Brasil, e Gê Côrtes, que atua na banda do programa Altas Horas, da TV Globo, e que participou do lendário Kali, grupo de música instrumental só de mulheres. Há uns anos, Lenine convidou para alguns shows a baixista cubana Yusa. Fora do país, destaco Meshell Ndegeocello, uma alemã cheia de groove que canta e toca muito bem.
Na seara do jazz, a boa surpresa é uma menina de 24 ou 25 anos chamada Esperanza Spalding, cantora, compositora e baixista de extrema qualidade. Nascida em Portland, no estado americano de Oregon, de origem simples, destacou-se muito cedo pela sensibilidade musical e pelo interesse em música erudita e em blues, funk e rap. Estudou na Berklee College, famosa escola de música nos EUA, até se tornar sua mais jovem professora aos 20 anos. Para os que prezam a experiência, a cantora já tocou com Stanley Clarke, Pat Metheny, o vibrafonista Dave Samuels e Patti Austin.
Esperanza tem dois CDs e o segundo – "Esperanza" – é um excelente trabalho. A faixa de abertura é "Ponta de Areia", de Milton Nascimento e Fernando Brandt, cantada docemente num impecável português. Além da voz, o arranjo da canção se destaca pelo trabalho de percussão de Jamey Haddad, seu colega de trabalho na Berklee, ao usar o hadgini, um tipo de percussão oca em forma de V com um buraco em cima, no qual se bate com a palma da mão.
Nas faixas jazzísticas, sua qualidade como instrumentista é patente. Além dela, o pianista Leo Genovese e o baterista Otis Brown demonstram suingue e destreza nos improvisos. Esperanza canta em espanhol em "Cuerpo y Alma", também com ótima pronúncia. Em "I Adore You", um delicioso samba-funk, revela novamente a ligação com a música brasileira, já indicada no primeiro disco – "Junjo" – em que toca "Loro", de Egberto Gismonti.
Para fechar o CD "Esperanza", ela canta "Samba em Prelúdio", clássico samba-canção de Baden Powell e Vinícius de Moraes, com os típicos ingredientes temáticos de canto de dor-de-cotovelo. De forma inusitada, sua interpretação retoma aquele canto melancólico de vogais alongadas, pré-bossa nova e cheio de sentimentalismo.
Para os que creem numa possível masculinidade do baixo, este é um exemplo de “masculinidade” doce e sensível!
(Publicado em dez/2009 no site www.entermagazine.com.br)
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
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