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domingo, 3 de outubro de 2010

Exercícios titânicos nº 2

O mais famoso álbum dos Titãs, Cabeça dinossauro, não foi o único mais experimental e criativo do grupo. Alguns outros que vieram depois tiveram, em algumas canções ou na concepção geral, essa marca de distinção na produção pop.
O disco seguinte, Jesus não tem dentes no país dos banguelas (1987), além do nome pouco usual, traz músicas bem interessantes em termos de inovação. Já na abertura, a canção Todo mundo quer amor soa estranha ao ouvinte com os sons de vozes sampleados, bateria eletrônica e a voz rouca de Arnaldo Antunes questionando os motivos de as pessoas não terem amor, apesar de possuírem todos os instrumentos orgânicos para tal ação. O aspecto “engasgado” do som dá ao arranjo a mesma sensação de inconveniência típica de quem quer ter um amor mas, infelizmente, não tem.
Outra canção criativa do disco é Nome aos bois. Sua letra, sem verbos que indiquem intenção, resume-se a uma lista de nomes de pessoas de índole pouco confiável (ditadores, criminosos e líderes conservadores). A crítica, percebida apenas pelas relações entre os nomes, é potencializada pela sonoridade distorcida da guitarra, pela bateria pesada e o tom gritado da voz do baixista Nando Reis.
Em Õ blesq blom (palavras sem nexo criadas pelos cantadores pernambucanos Mauro e Quitéria), de 1989, há uma música curiosa chamada O pulso. Na letra, há outra listagem de doenças e problemas de saúde misturados a preconceitos e sentimentos nada positivos, como ciúmes, raiva, culpa, rancor e estupidez. Tudo isso pensado como produtos do corpo doente, física e emocionalmente. Destaque para as aliterações e assonâncias produzidas com as palavras na rítmica construída pelo arranjo.
Talvez, um dos LPs (ainda era LP, de long-playing!) da banda mais comentado de forma negativa tenha sido o Tudo ao mesmo tempo agora (1991). A crítica, no geral, destacou as letras escatológicas das canções acusando o grupo de perder a capacidade criativa. Porém, são exatamente nessas letras que se encontram, por bem ou por mal, as melhores invenções do grupo. A proposta geral é desmontar o romantismo tradicional das canções de sucesso e forçar o ouvinte a uma série de novas orientações, em parte promovida pelas sonoridades distorcidas e pesadas do rock produzido pelos Titãs.
Clitóris, Isso para mim é perfume e Saia de mim são três músicas cujas letras incomodam aqueles que veem o amor apenas nas formas lírica e tradicional, tal qual é tratado nas canções românticas.
E se o ouvinte se abala com isso, a resposta está na letra de Se você está aqui: “se você está aqui / é porque veio / se você veio até aqui / é porque está atrás de alguma coisa / se você não quer nada / por que não vai embora?”. 
A dica é ouvir esse disco em alto volume, com os ouvidos bem abertos e os condicionamentos morais completamente desligados.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Exercícios titânicos

Pelo menos em sua primeira fase, o grupo Titãs intrigava o ouvinte com a criatividade de algumas músicas, mesmo aquelas mais próximas do padrão de sucesso imediato que tocavam constantemente nas emissoras de rádios. Um caso bem curioso é a canção O Que, de Arnaldo Antunes, última faixa do célebre disco Cabeça Dinossauro (1986). Por causa de seu ritmo – um funk dançante (não é o carioca!) – esta música tocou muito em rádios e nas baladas de final de semana durante boa parte dos anos 80.
Pensando nisso, seria fácil dizer que ela é mais uma daquelas a fazer sucesso e, por isso, pouca coisa teria de interessante.
Ledo engano.
Se ouvirmos com atenção, vamos perceber aspectos, no mínimo, inusitados. O primeiro deles tem a ver com a letra, limitada à frase “Que não é o que não pode ser”. Ela é cantada por Arnaldo repetidamente, em pequenos trechos tirados de dentro dela e mantendo a sequência de palavras: “não é o que não pode / ser que não é / o que não pode ser que não / é o que não / pode ser que não / é”.
A rigor, a frase inteira e seus pedaços não querem dizer absolutamente nada, pois negam-se constantemente. Porém, como as entonações usadas pelo cantor são típicas de frases com sentido, falas comuns de nosso cotidiano, esses trechos parecem significar alguma coisa. Ou seja, colocam o ouvinte numa situação estranha: quando cantada, a letra parece dizer algo por causa da entonação, mas isso não se concretiza tornando-se um completo non sense.
Sua origem é um poema publicado no livro Psia (1986), do próprio Arnaldo. A frase absurda aparece impressa na página escrita no formato de uma circunferência, sem começo, nem fim.
Para fazer o arranjo musical, o grupo construiu uma estrutura também circular e repetitiva: uma frase no baixo em quatro compassos que se repete em toda música, variando apenas os outros instrumentos: baterias acústica e eletrônica, guitarras, vozes, teclados etc. A canção é, assim, um exemplo de minimalismo sonoro e poético: uma célula mínima na música (a frase do baixo) e outra na letra (a sentença estranha) a se multiplicarem ao longo da canção.
Esse choque de estranhamentos é o que dá à canção seu interessante aspecto criativo. Em primeiro lugar, o ritmo é ótimo para a dança, ingrediente que, por si só, atrai facilmente o ouvinte. Em segundo, ninguém presta muita atenção na letra enquanto dança. Aliás, boa parte das músicas de dança não tem letras criativas. E isso destaca O Que das demais típicas canções de sucesso. Se o ritmo embala a dança, a letra joga o ouvinte numa situação de incerteza. Ela acaba por exercitar a atenção e testar os limites da percepção.