A bossa nova promoveu uma forte mudança na música popular brasileira no final dos anos 1950 ao sofisticar o samba e elitizar seu público. No entanto, bastou pouco tempo para alguns compositores de seu grupo inicial tentarem outra guinada. Um deles foi Carlinhos Lyra.
Na década seguinte, o debate político era grande e as esquerdas tentavam demonstrar sua visão sobre a sociedade. Em dezembro de 1961, a União Nacional dos Estudantes (UNE) criou o primeiro Centro Popular de Cultura (CPC), órgão que se multiplicou pelo país para produzir arte (livros de poesia, filme, peças de teatro, discos) engajada, que denunciasse a miséria e a exploração social. Na música popular, um de seus articuladores foi Carlinhos Lyra, que compôs os temas do filme Cinco vezes favela, único produzido pelo CPC, em 1962.
Ao alinhar-se com o CPC, o compositor foi de encontro ao elitismo zona sul da bossa nova e passou a construir um repertório com temáticas sociais e musicalmente mais próximo do que pensava serem as raízes musicais nacionais. Não se opôs frontalmente aos bossanovistas, já que manteve o rebuscamento harmônico nas músicas, mas algumas letras suas e de seus parceiros passaram a enfatizar o social.
Essas posições ficaram claras no seu 3º disco, Depois do carnaval – o sambalanço de Carlos Lyra, de 1963. Uma das canções é Marcha da quarta-feira de cinzas, parceria com Vinícius de Moraes, cuja letra metaforiza o golpe militar, que pareciam prever, com o dia depois do carnaval, quando a cidade perde a alegria e passivamente espera pelo próximo ano para voltar a sorrir. Em outra composição, O melhor, mais bonito, é morrer, parceria com o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), a postura é nítida: “Já que não há o que fazer/ Se não há onde trabalhar/ Se meu braço tem de parar/ O melhor, mais bonito, é morrer”.
A mais interessante, sem parceiro, é Influência do jazz, direta ao denunciar o que estragou o balanço do samba: “Pobre samba meu/ Foi se misturando se modernizando, e se perdeu/ E o rebolado cadê? Não tem mais/ Cadê o tal gingado que mexe com a gente/ Coitado do meu samba, mudou de repente/ Influência do jazz”. Curiosamente, Lyra usa um arranjo jazzístico para, com ironia, mostrar sua crítica. Chega a citar na letra e no instrumental a música cubana, para fazer um paralelo com o que o jazz fez a ela: “No afro-cubano, vai complicando/ Vai pelo cano, vai/ Vai entortando, vai sem descanso/ Vai, sai, cai... no balanço!”. Por fim, propõe ao samba o retorno às raízes e a negação da modernidade: “Pobre samba meu/ Volta lá pro morro e pede socorro onde nasceu/ Pra não ser um samba com notas demais/ Não ser um samba torto pra frente pra trás/ Vai ter que se virar pra poder se livrar/ Da influência do jazz”.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
domingo, 18 de setembro de 2011
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
É proibido proibir o tropicalismo!
O tropicalismo foi importante movimento na música brasileira por significar, segundo Caetano Veloso, a retomada da “linha evolutiva” da MPB, modernizando-a ao colocá-la em contato com os elementos considerados modernos na época: instrumentos elétricos (guitarra e baixo), rock, experimentalismo e contracultura. Surgiu em 1967, no 3º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, com as canções Alegria, alegria, de Caetano Veloso, e Domingo no parque, de Gilberto Gil. Mas, foi em 1968 que o movimento deu as caras com o LP-manifesto Tropicália ou panis et circencis (trabalho coletivo com Caetano, Gil, Tom Zé, Gal, Nara Leão, Mutantes, os letristas Capinan e Torquato Neto e o inquieto maestro Rogério Duprat), lançado em agosto. Também de 1968 são o polêmico programa Divino maravilhoso, estreado em outubro na TV Tupi, e as participações desses artistas no 4º Festival da Record, em novembro, e no 3º Festival Internacional da Canção – FIC, da TV Globo, em setembro.
Foi neste último que se deu um dos principais momentos da música brasileira, com a apresentação, na fase de classificação, no dia 12 (há quase 43 anos!), de É proibido proibir, de Caetano, interpretado por ele e Os Mutantes (Sergio Dias, Arnaldo Batista e Rita lee), vaiados pela plateia de esquerda no TUCA (teatro da PUC-SP) do início ao fim.
A canção é representativa não só do tropicalismo, mas do momento em que foi criada. Seu nome e sua temática foram tirados das manifestações estudantis de maio de 1968, em Paris, França. O título era uma pichação dos estudantes nos muros daquela cidade e a letra mantinha a alta temperatura da rebelião: “Os automóveis ardem em chamas/ Derrubar as prateleiras/ As estátuas, as estantes/ As vidraças, louças/ Livros, sim/ (…) Eu digo não/ E eu digo não ao não/ Eu digo: é proibido proibir”.
A letra ganhou novos sentidos com o arranjo dos Mutantes. Se, enquanto gênero musical, a música era uma marcha, os instrumentos elétricos aproximaram-na do rock. Serginho criou ruídos na guitarra e outros músicos tocaram estranhamente desafinados na tentativa de desconstruir a realidade de repressão contra a qual se lutava.
A provocação foi grande e o público, a maioria de universitários de esquerda, não entendeu o recado e aumentou as vaias. Provavelmente, torciam por Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), de Geraldo Vandré, que ficou em segundo lugar naquele ano. Irritado com a recepção e sentido pela desclassificação de Questão de ordem, de Gil, nesse mesmo FIC, Caetano proferiu um discurso feroz contra o auditório, o júri e todos que considerava conservadores na política e em arte. O áudio dessa fala está aqui.
Com É proibido proibir desclassificada, o experimentalismo tropicalista teve de esperar mais um pouco para reaparecer.
Foi neste último que se deu um dos principais momentos da música brasileira, com a apresentação, na fase de classificação, no dia 12 (há quase 43 anos!), de É proibido proibir, de Caetano, interpretado por ele e Os Mutantes (Sergio Dias, Arnaldo Batista e Rita lee), vaiados pela plateia de esquerda no TUCA (teatro da PUC-SP) do início ao fim.
A canção é representativa não só do tropicalismo, mas do momento em que foi criada. Seu nome e sua temática foram tirados das manifestações estudantis de maio de 1968, em Paris, França. O título era uma pichação dos estudantes nos muros daquela cidade e a letra mantinha a alta temperatura da rebelião: “Os automóveis ardem em chamas/ Derrubar as prateleiras/ As estátuas, as estantes/ As vidraças, louças/ Livros, sim/ (…) Eu digo não/ E eu digo não ao não/ Eu digo: é proibido proibir”.
A letra ganhou novos sentidos com o arranjo dos Mutantes. Se, enquanto gênero musical, a música era uma marcha, os instrumentos elétricos aproximaram-na do rock. Serginho criou ruídos na guitarra e outros músicos tocaram estranhamente desafinados na tentativa de desconstruir a realidade de repressão contra a qual se lutava.
A provocação foi grande e o público, a maioria de universitários de esquerda, não entendeu o recado e aumentou as vaias. Provavelmente, torciam por Pra não dizer que não falei das flores (Caminhando), de Geraldo Vandré, que ficou em segundo lugar naquele ano. Irritado com a recepção e sentido pela desclassificação de Questão de ordem, de Gil, nesse mesmo FIC, Caetano proferiu um discurso feroz contra o auditório, o júri e todos que considerava conservadores na política e em arte. O áudio dessa fala está aqui.
Com É proibido proibir desclassificada, o experimentalismo tropicalista teve de esperar mais um pouco para reaparecer.
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