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terça-feira, 8 de maio de 2012

Oposições em "El negro del blanco"

Pode parecer chover no molhado, mas a velha máxima de que os opostos se aproximam encontra pleno sentido no disco El negro del blanco, gravado por Paulo Moura e Yamandú Costa e lançado em 2004 pela Biscoito Fino.

A oposição mais evidente está no nome do CD e em sua capa: o moreno septuagenário de blusa branca ao lado do rapaz gaúcho de camisa preta e ambos sobre o nome negro, escrito em branco, e blanco, escrito em preto. Além dessa aparência, a junção de ambos é raro momento de convivência daquilo que, na verdade, nunca foi distante.
Falecido em julho de 2010, o clarinetista Paulo Moura era desses instrumentistas de formação integral e larga experiência. Criado em família de músicos de São José do Rio Preto (SP) e formado em conservatórios, orquestras de rádio, bossa nova, choro e jazz no Rio de Janeiro, Paulo revela a tradição do negro na música instrumental brasileira ao sincretizar seu gingado à música europeia. Já em Yamandú, também criado em família musical, a síntese é plena por ser um jovem músico da fronteira, espaço cultural que junta facilmente o Brasil às tradições latino-americanas. Em seu violão de sete cordas soa tanto o choro carioca como tangos, guarânias, valsas e chamamés.
Tudo isso se materializa no repertório do CD. De um lado, o clarinetista traz a tradição brasileira em choros de Severino Araújo (Um chorinho em aldeia) e do mestre Jacob do Bandolim (Simplicidade) e em sambas de Baden Powell; de outro, Yamandú incorpora canções do argentino Astor Piazzola (Decaríssimo), o clássico Gracias a la vida da chilena Violeta Parra, até chegar a Cuba, com De camino a la vereda, de Ibrahim Ferrer, famosa pela gravação no disco Buena Vista Social Club, de 1996.
A rigor, as oposições estão além dessas evidências. Ao ouvir os arranjos, percebe-se aquilo que entranha cada músico. O clarinete soa suave e concentrado. Mesmo ao demonstrar destreza em solos e improvisos, o que ouvimos não é apenas agilidade, mas a certeza de quem sabe que a velocidade não é o principal. Revela, no fundo, a experiência do ancião, a calma que existe naqueles que já trilharam longos caminhos de vida e de música.
O excelente violonista gaúcho é o oposto. Basta vê-lo ao vivo no palco para entender que o que se ouve em El negro del blanco é resultado de sua performance intensamente barroca. Seus gestos certeiros são pungentes e fazem as cordas parecerem rasgar sua alma. Seu violão é forte, saliente, rápido e preciso, sempre em claro contraponto à suavidade das melodias do sopro. Se a intensidade de Yamandú é juvenil, daqueles que sabem o que desejam e que têm potencial para chegar lá, Paulo Moura, ao contrário, já chegou. Isso não significa que não estivesse aprendendo com o jovem gaúcho. Mais que tudo, o clarinetista sabe aprender.
Volúpia e serenidade: este é o resultado do feliz encontro de Yamandú Costa com Paulo Moura.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A música do Treminhão

Ninguém duvida quando se fala que há grande diversidade musical em Pernambuco. Desde os tradicionais maracatus, cocos e cirandas, passando pelos bambas do frevo, os armoriais, o rock dos anos 1970 e, finalmente, o rico manguebeat, o estado sempre nos tem brindado com boa música e criatividade. É por isso que visitar Recife sempre proporciona boas surpresas. Em 2008, conheci o CD do grupo Treminhão, um trio instrumental surgido em 2003.
A audição do disco revela Breno Lira, Ricardo Fraga e Marcos Mendes, jovens músicos da capital pernambucana, como grandes mestres. Em 13 faixas, trazem o melhor da música instrumental brasileira pautada no improviso e nas harmonias jazzísticas, em misturas bem dosadas com ritmos da rica tradição nordestina e com a potência roqueira. Os três instrumentistas passaram pelo Conservatório Pernambucano de Música e pelo curso de música da Universidade Federal de Pernambuco, trabalham em estúdios, tocam em orquestras e lecionam, o que revela empenho nos estudos e seriedade na atividade musical.
Em todas as gravações do álbum é possível perceber a qualidade técnica dos músicos e o conhecimento da música popular. Breno Lira esbanja habilidade na guitarra, no violão e na viola, a ponto de ser elogiado por Heraldo do Monte em texto na capa do CD. Marcos acompanha a tradição dos grandes baixistas do país, ao lado de Arthur Maia, Pixinga, Arismar do Espírito Santo e do falecido Nico Assumpção. Já o baterista Ricardo Fraga mostra que conhece os ritmos nordestinos, as sutilezas do jazz e o pulso firme do rock. Juntos, os três se sustentam mutuamente em ótima simbiose.
Nas composições, todas próprias, há baião, xote, coco, maracatu rural e nação, caboclinho, sempre temperados com guitarra distorcida ou com o som seco da viola. As variações harmônicas são desconcertantes, os improvisos abusados, cheios de modalismos, às vezes beirando o atonal, como se percebe nas músicas Baião para Edvaldo, Sertão e Xote louco (mescla de xote, reggae e jazz).

As músicas Treminhão e Sedna são dois jazz-rocks com solos de guitarra bem distorcidos e “sujos”. Nesta segunda, o solo de baixo é feito em uníssono com a voz do baixista. Outra faixa interessante é 1º de Julho, de Marcos Mendes, que traz uma coletânea de ritmos e tem a melodia executada pelo baixo.
O Treminhão tem seus convidados especiais no disco, que mostra também o vínculo com a cultura musical local. Entre eles, estão Egildo Vieira (pífano), Gustavo Azevedo (rabeca), Maciel Salú (voz em Peleja), Tarcisio Rezende (pandeiro) e Tomás Melo (alfaias).
Esse é um daqueles trabalhos feito por quem sabe tocar especialmente para quem sabe ouvir!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

De baterista para baterista

Que as tecnologias digitais e a Internet têm mudado a vida e a arte da sociedade não é mais novidade. Como o som é o que nos interessa, muito tem ocorrido nas práticas de fazer e consumir músicas de maneiras inovadoras.
Um caso positivo é o disco SambaSong & Friends, do baterista Roberto Sallaberry. O CD foi gravado durante dois anos, entre 2002 e 2004, finalizado e lançado em 2005. Além da boa qualidade das composições – todas instrumentais – e das performances dos músicos, o curioso está na forma com que este trabalho foi conduzido.
Como Sallaberry queria produzir um disco autoral – ou seja, conceber e controlar todo o processo desde a criação até o produto final – começou pela construção de seu estúdio em casa. Ali, compôs e gravou temas inteiros ou trechos, mas, só na bateria. Gravadas as músicas, entrou em contato com músicos amigos e enviou os trechos a eles em arquivos MP3 pela internet ou gravados em CD. Estes instrumentistas, por sua vez, gravaram em seus estúdios ou estações caseiras (em São Paulo, Rio de Janeiro, Ilha Bela-SP e Los Angeles-EUA), ora seguindo sugestões de arranjo de Sallaberry, ora livres para criar e experimentar conforme suas percepções.
O resultado do processo (chamado de e-rec por Sallaberry) é um disco único em dois aspectos. Em primeiro lugar, é o trabalho de um baterista, sem ser aquele típico álbum de baterista com excessivo destaque ao instrumento; em segundo, é um projeto-solo e autoral, porém, composto e construído de forma coletiva.
Sobre as faixas do disco, encontramos ampla gama de ritmos: samba-jazz, bossa nova, baião, rock e salsa. Algumas misturas são inusitadas: uma bossa com parte do tema em compassos de sete tempos; um tema mais lento, também em sete, com destaque para a linha de baixo; uma salsa super suingada que mostra a riqueza das sínteses afro-caribenhas e um flamenco de muita sensualidade.
As performances dos instrumentistas, todos de primeira linha, são muito criativas. Nas guitarras, temos: Faíska, Álvaro Gonçalves, Marcinho Eiras, Renato Nunes, Sandro Haick, Coop DeVille, Tarcísio Edson César e Beto Di Franco. Os baixistas são: Thiago do Espírito Santo, Edu Martins e Itamar Collaço. Nos sopros: Luis “Cubano” Cabrera, Derico Sciotti e Ed Côrtes. Tocando piano e teclados, aparecem Marcos Romera, Bruno Cardozo, Pepe Rodrigues, Maurício Marques e Thiago Pinheiro. Por fim, Airto Moreira, Rubens Chacal e Maguinho se revezam nas percussões.
Não contente, Sallaberry produziu mais dois CDs: Samba Soft, em 2007, e Sambatuque, em 2009, ambos no mesmo formato. Esses álbuns são raros momentos não só para a música instrumental brasileira, mas também para os músicos perceberem novas e criativas formas de criação e produção musicais.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O baixo de Arthur Maia

Um ótimo exemplo da qualidade e da versatilidade do músico brasileiro é o contrabaixista carioca Arthur Maia. Seu terceiro disco solo instrumental Planeta Música, produção independente lançada em 2002, é prova disso. Nele, Maia se mostra compositor delicado, exímio arranjador e caminha com destreza por vários gêneros (salsa, choro, jazz, samba-funk etc.). Traz também excelentes convidados, como os norte-americanos Dennis Chambers (bateria), Mike Stern e Hiram Bullock (guitarristas, tendo o segundo falecido em 2005) e o saxofonista cubano Paquito D´Rivera. Entre a nata de instrumentistas brasileiros, destacam-se William Magalhães (Banda BlackRio), os bateristas Carlos Bala e Nenem, o pianista Gilson Peranzzetta, o percussionista Marcos Suzano, entre outros.
Arthur nasceu em família de músicos e teve como grande incentivador o tio Luizão Maia, famoso contrabaixista que acompanhou feras como Elis Regina, Tom Jobim, George Benson e Toots Thielemans. Prodígio, sua carreira começou na bateria ainda adolescente, tendo passado para o contrabaixo aos 16 anos. Antes dos 18, já acompanhava Ivan Lins e Luiz Melodia. Nos anos 1980, tocou no importante grupo Cama de Gato, de música instrumental, com o qual lançou um disco homônimo em 1986 (selo Som da Gente). Participou também, com Pedro Gil (baterista filho de Gilberto Gil morto num acidente de carro em 1990), da banda pop Egotrip.
Sua sensibilidade musical o levou a tocar com importantes cantores da MPB, como Lulu Santos, Djavan, Ney Matogrosso, Milton Nascimento e Gilberto Gil. Com este, realizou várias turnês internacionais. Da cena norte-americana, tocou com George Benson, Pat Metheny e Carlos Santana.

Se na música instrumental Maia mostra sua performance como instrumentista e arranjador, o fato de ter acompanhado artistas populares foi importante para que mostrasse suas qualidades também como cantor. Neste seu disco solo, sua voz aguda sempre acompanha os instrumentos, ora dobrando melodias ora como vocal de fundo. Um belíssimo arranjo para a canção A noite, de Victor Martins e Ivan Lins, demonstra a delicadeza de seu canto.
Além dessa faixa, vale destacar seu desempenho e dos músicos na suingada salsa Muchacha, na composição De ombro (do mestre baixista Jamil Joanes), em Planeta música, com participação na voz de Seu Jorge, e na regravação do choro Cama de gato, homenagem ao antigo grupo.

(De ombro, de Jamil Joanes)

É digno de nota o fato de este disco de Arthur Maia ter sido dedicado ao colega e excelente contrabaixista Nico Assumpção, morto precocemente em 2001. Para quem não sabe, Nico é quem faz o solo de baixo na música Jade, de João Bosco.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Da América do Sul para a América do Sul

Só estudando história para entender os motivos de sabermos tão pouco sobre nossos vizinhos sul-americanos. Mesmo tendo proximidades culturais, origens afro-ibéricas comuns e processos históricos paralelos, houve elites e imperialismos que distanciaram os países da América do Sul. Hoje, continuamos próximos, porém, estranhos.
Na música, esse desconhecimento é gritante, a ponto de ouvirmos muita música norte-americana e européia e estranharmos os belíssimos gêneros de nossos irmãos de continente. Pois foi contra esse isolamento e a favor da riqueza musical sul-americana que se colocou o pianista Benjamin Taubkin ao criar o coletivo América Contemporânea, em 2005, a partir de um show no festival “Todos os Cantos do Mundo”, em São Paulo.
Taubkin convidou oito músicos com larga experiência de sete países do continente, realizaram apresentações no Brasil, Estados Unidos, América Latina, Canadá e Espanha e gravaram o CD “América Contemporânea – um outro centro” (selo Núcleo Contemporâneo, do próprio pianista). Além de Taubkin, o grupo é formado pelo saxofonista e flautista Alvaro Montenegro (Bolívia), pela cantora Lucia Pulido (Colômbia), pelo violonista Aquiles Báez (Venezuela), pelo percussionista Luis Solar Narciso (Peru), pelo percussionista Ari Colares (Brasil), pelo rabequeiro pernambucano Siba, pelo baixista Christian Galvez (Chile) e pelo multi-instrumentista e cantor Carlos Aguirre (Argentina). No disco, há também a participação especial do pianista e compositor brasileiro José Miguel Wisnik.
Lançado em 2006, o CD traz sotaques musicais distintos que se mesclam em ótimas performances por conta da qualidade dos músicos. Cada uma das 10 faixas mostra uma tradição rítmica de um desses países, seja em composições próprias ou em canções de domínio público. Essas músicas locais são trabalhadas em novos e modernos arranjos que põem em destaque várias possibilidades de criação presentes nas melodias tradicionais, nos timbres instrumentais (os de percussão são muito interessantes!), nos cantos e nos arranjos.
É difícil destacar um ou outro músico, já que todos têm características muito especiais. No entanto, sugiro uma maior atenção para alguns deles, como o exímio violonista Aquiles Báez, o baixista Christian Galvez e sua técnica apurada, o belo timbre de voz de Lucia Pulido e o percussionista Luis Solar, cujo solo de cajon, instrumento afro-peruano, na faixa "Cajoneando" é ótima lição de ritmo. Além, obviamente, do piano do próprio Taubkin, dos tambores de Ari Colares e da voz peculiar e da rabeca de Siba.
Não se trata de disco de músicas tradicionais para ouvidos de turistas ou folcloristas, mas de trabalho moderno e competente que utiliza a tradição para muitas descobertas sonoras.