Pelo menos em sua primeira fase, o grupo Titãs intrigava o ouvinte com a criatividade de algumas músicas, mesmo aquelas mais próximas do padrão de sucesso imediato que tocavam constantemente nas emissoras de rádios. Um caso bem curioso é a canção O Que, de Arnaldo Antunes, última faixa do célebre disco Cabeça Dinossauro (1986). Por causa de seu ritmo – um funk dançante (não é o carioca!) – esta música tocou muito em rádios e nas baladas de final de semana durante boa parte dos anos 80.
Pensando nisso, seria fácil dizer que ela é mais uma daquelas a fazer sucesso e, por isso, pouca coisa teria de interessante.
Ledo engano.
Se ouvirmos com atenção, vamos perceber aspectos, no mínimo, inusitados. O primeiro deles tem a ver com a letra, limitada à frase “Que não é o que não pode ser”. Ela é cantada por Arnaldo repetidamente, em pequenos trechos tirados de dentro dela e mantendo a sequência de palavras: “não é o que não pode / ser que não é / o que não pode ser que não / é o que não / pode ser que não / é”.
A rigor, a frase inteira e seus pedaços não querem dizer absolutamente nada, pois negam-se constantemente. Porém, como as entonações usadas pelo cantor são típicas de frases com sentido, falas comuns de nosso cotidiano, esses trechos parecem significar alguma coisa. Ou seja, colocam o ouvinte numa situação estranha: quando cantada, a letra parece dizer algo por causa da entonação, mas isso não se concretiza tornando-se um completo non sense.
Sua origem é um poema publicado no livro Psia (1986), do próprio Arnaldo. A frase absurda aparece impressa na página escrita no formato de uma circunferência, sem começo, nem fim.
Para fazer o arranjo musical, o grupo construiu uma estrutura também circular e repetitiva: uma frase no baixo em quatro compassos que se repete em toda música, variando apenas os outros instrumentos: baterias acústica e eletrônica, guitarras, vozes, teclados etc. A canção é, assim, um exemplo de minimalismo sonoro e poético: uma célula mínima na música (a frase do baixo) e outra na letra (a sentença estranha) a se multiplicarem ao longo da canção.
Esse choque de estranhamentos é o que dá à canção seu interessante aspecto criativo. Em primeiro lugar, o ritmo é ótimo para a dança, ingrediente que, por si só, atrai facilmente o ouvinte. Em segundo, ninguém presta muita atenção na letra enquanto dança. Aliás, boa parte das músicas de dança não tem letras criativas. E isso destaca O Que das demais típicas canções de sucesso. Se o ritmo embala a dança, a letra joga o ouvinte numa situação de incerteza. Ela acaba por exercitar a atenção e testar os limites da percepção.
Já que música e canção são assuntos sérios, este é um espaço para discutir os sons das coisas musicais. Podem ser cantados, tocados, dançados ou ouvidos. Podem também ser altos ou baixos, daqui ou de longe. Não há problema se forem amargos, doces demais ou organizados sob outra lógica. Precisam apenas ser apreciáveis de determinado jeito, entendidos e explicados para que tenham sua beleza revelada. Em suma, é "o som da coisa"!
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sexta-feira, 3 de setembro de 2010
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