terça-feira, 22 de junho de 2010

Que samba é esse, Fernanda?

Uma interessante experimentação na música popular brasileira tem a ver com o uso de aparelhos eletrônicos (sequenciadores, samplers, bateria eletrônica) e com a figura do DJ. Esses equipamentos criaram possibilidades de realizar colagens antes apenas imaginadas ou feitas com algumas limitações.
Quanto ao DJ, a novidade de uns anos para cá é seu status. Se nas décadas de 1950 e 1960 ele era um importante intermediário entre emissoras de rádio, gravadoras e ouvintes, nos últimos anos ganhou outro caráter ao animar raves, manusear sons em aparelhos eletrônicos e, sem ser tradicionalmente um músico, proporcionar ao público uma música dançante. Nas suas discotecagens, vale a criatividade em mixar trechos de canções, alterar andamentos e timbres, criar efeitos mecânicos (como o scratch – ruídos rítmicos feitos ao movimentar um disco no toca-discos) e eletrônicos (sampling, reverb, pitch etc.).
Mas a tecnologia não faz tudo sozinha. Sempre é necessário alto grau de criatividade e bom repertório. Por isso, cito o trabalho da compositora, musicista e cantora Fernanda Porto, que tem muito a ver com esse cenário. Formada em harmonia, composição e canto lírico e autora de trilhas de filmes, Fernanda pendeu seu trabalho para a música eletrônica, em especial o drum’n’bass, desde o final dos anos 1990. Em 2001, fez uma versão eletrônica do clássico Só tinha de ser com você, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, e no ano seguinte gravou seu primeiro CD pelo selo Trama, com vários sucessos tocados nas rádios.
Inteligente que é, a divulgação massiva não limitou o trabalho da compositora aos padrões do consumo musical. Uma das faixas mais criativas desse disco é a conhecida Sambassim, de Fernanda e Alba Carvalho. A letra fala da realização de um samba, sem seus instrumentos usuais, por uma pessoa que não sabe nada disso, mas sempre ouviu um batuque. Para realizar a façanha, diz que vai “samplear reco-reco e agogô” e misturar “com guitarra e drum’n’bass / Só pra ver como é que fica / Eletrônico o couro da cuíca”. Se surge a dúvida se esse samba é samba mesmo (“De bit acelerado será que é samba assim?”), ela logo se resolve na afirmativa: “De bit acelerado é samba, sim”.
O legal é que a instrumentação também fala do samba, numa saborosa metalinguagem. Voz e violão somam-se às programações eletrônicas. Não há percussões acústicas, apenas sons sampleados desses instrumentos. O ritmo sincopado do samba, perceptível nos “falsos” pandeiros, apitos e tamborins, se mistura ao drum’n’bass, num paralelo entre a divisão rítmica do agogô, da cuíca e de frases do canto. Por exemplo, quando Fernanda canta o trecho “Vou samplear reco-reco e agogô”, a divisão das notas e das sílabas do canto reproduzem a rítmica desses instrumentos.
Há ainda um dúbio jogo fonético no título da canção: funciona ora como “samba assim”, ou seja, desse novo jeito, ou como “samba sim”, que afirma esse tipo eletrônico de samba. Ao final, fica a sentença positiva na letra: “Sim, ficou um samba, sim / Com pandeiro e tamborim / E já penso que sei tudo de samba / Vou sampleando e sambando, sou bamba”.
Ziriguidum!

Um comentário:

  1. A Fernanda é incrivel, ir a um show dela é ficar sem saber pra onde olhar. Você não sabe se olha ela tocando, cantando, ou se fecha os olhos e sente a batida.

    O mais incrivel pra mim é que ela canta clássicos, como Roda Viva, sem medo de colocar eletrônico, e pra quem gosta de novidades (eu) é uma mistura incrivel.

    Bom, é um show que eu recomendo muito (sou viciada em shows, segundo um amigo). "Tudo de bom" é minha musica favorita, que letra mais incrivel, me identidico com isso: já misturou tudo em mim / São Paulo - Rio de Janeiro / em Londres num grande terreiro / natal caiu em fevereiro / é carnaval o ano inteiro.

    é linda!

    beijo, Herom!

    ResponderExcluir