segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tradição e modernidade com Gil

Se ele já foi ministro, bom ou mau, pouco importa. Mas, que o cara é bom mesmo como compositor, isso é verdade! Muitas das canções de Gilberto Gil são exemplos de construção criativa e informação cultural, sem deixar de tocar em rádios, fazer sucesso na boca do povo, participar de trilhas de novelas e se tornar jingle de comerciais de TV.
Um caso rico nesses quesitos todos é Pela Internet, gravada nos discos Quanta (1997) e Quanta gente veio ver (1998 – ao vivo e ganhador do Grammy de melhor disco de World Music). A letra descreve o desejo de entrar na Internet e se relacionar com o mundo pela rede mundial de informações digitais. Mas a aproximação com a web acontece sem deixar de lado os elementos de sua tradição. Gil retoma uma característica forte em seus trabalhos desde o tropicalismo que é a relação entre tradição e modernidade. Ele não quer simplesmente entrar na rede, mas pensa sua dinâmica a partir da vazante da maré, da jangada que veleja, da vontade de mandar um oriki (poema ou verso de saudação ou homenagem) de seu orixá. Ao mesmo tempo, globaliza a tradição ao propor juntar, pelo “infomar”, Taipé, Calcutá, Helsinque, Connecticut, Milão, Japão e Nepal.

O final da canção é a chave da teia de influências construída por Gil. Nas duas últimas linhas da letra, ele canta: “O chefe da polícia carioca avisa pelo celular / Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar”. Os que têm ouvidos mais apurados percebem que, neste trecho, ocorre uma mudança na harmonia e na melodia, como se fosse uma parte diferente do restante. Isso ocorre porque a letra faz uma paráfrase moderna do mítico samba Pelo telefone, de Donga e Mauro de Almeida, gravado por Baiano na Casa Edison, Rio de Janeiro, em 1917.
Em Pelo telefone, a frase é “O chefe da folia, pelo telefone, manda avisar / Que com alegria não se questione pra se brincar”. Porém, sabe-se que a versão gravada foi alterada e que a letra original, composta nas rodas de samba na casa da Tia Ciata, próxima da praça Onze, era “O chefe da polícia, pelo telefone, manda avisar / Que na Carioca tem uma roleta pra se jogar”. Com humor, essa versão criticava o delegado do Rio que fazia vista grossa com o jogo de azar na cidade.
O samba Pelo telefone é, na verdade, um maxixe. Porém, fez grande sucesso na época e transitou como poucos pelos níveis culturais popular (sua origem), erudito-letrado (foi registrado em partitura na Biblioteca Nacional, no Rio) e comercial-massivo (gravado em disco). Até hoje, os “bambas” estudiosos do samba o definem como um dos primeiros a marcar a história do gênero. Daí ter sido homenageado por cantores como Almirante, Martinho da Vila, Joyce, entre outros.
O que Gilberto Gil fez foi aumentar a lista de homenagens com a inteligente paráfrase que vincula a modernidade do mundo digital ao dado mítico de fundação do samba carioca concretizado no maxixe de Donga.

2 comentários:

  1. Denilson Braveheart Macedo2 de novembro de 2010 às 20:37

    Tempo Rei (Gilberto Gil)

    Não me iludo
    Tudo permanecerá
    Do jeito que tem sido
    Transcorrendo
    Transformando
    Tempo e espaço navegando
    Todos os sentidos
    Pães de Açúcar
    Corcovados
    Fustigados pela chuva
    E pelo eterno vento
    Água mole
    Pedra dura
    Tanto bate
    Que não restará
    Nem pensamento
    Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Transformai
    As velhas formas do viver
    Ensinai-me
    Oh Pai
    O que eu ainda não sei
    Mãe Senhora do Perpétuo
    Socorrei
    Pensamento
    Mesmo o fundamento
    Singular do ser humano
    De um momento para o outro
    Poderá não mais fundar
    Nem gregos, nem baianos
    Mães zelosas
    Pais corujas
    Vejam como as águas
    De repente ficam sujas
    Não se iludam
    Não me iludo
    Tudo agora mesmo
    Pode estar por um segundo
    Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Transformai
    As velhas formas do viver
    Ensinai-me
    Oh Pai
    O que eu ainda não sei
    Mãe Senhora do Perpétuo
    Socorrei

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  2. Denilson Braveheart Macedo2 de novembro de 2010 às 20:38

    Grande Herom
    Mais uma bela matéria.
    O Gil é um dos fantásticos da nossa música. Ele é um mestre das palavras e sabe usá-las como ninguém.
    Para mim, Tempo Rei é a sua melhor música. Nela aparece seu português corretíssimo no Transformai e Socorrei. Mostra também os seus jogos de palavras (Tempo Rei com te empurrei ou gregos e baianos no lugar dos troianos). Além de tudo isso, é afinado e ótimo músico.
    Um abraço.
    Denilson

    Tempo Rei (Gilberto Gil)

    Não me iludo
    Tudo permanecerá
    Do jeito que tem sido
    Transcorrendo
    Transformando
    Tempo e espaço navegando
    Todos os sentidos
    Pães de Açúcar
    Corcovados
    Fustigados pela chuva
    E pelo eterno vento
    Água mole
    Pedra dura
    Tanto bate
    Que não restará
    Nem pensamento...
    Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Transformai
    As velhas formas do viver
    Ensinai-me
    Oh Pai
    O que eu ainda não sei
    Mãe Senhora do Perpétuo
    Socorrei
    Pensamento
    Mesmo o fundamento
    Singular do ser humano
    De um momento para o outro
    Poderá não mais fundar
    Nem gregos, nem baianos
    Mães zelosas
    Pais corujas
    Vejam como as águas
    De repente ficam sujas
    Não se iludam
    Não me iludo
    Tudo agora mesmo
    Pode estar por um segundo
    Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Oh Tempo Rei
    Transformai
    As velhas formas do viver
    Ensinai-me
    Oh Pai
    O que eu ainda não sei
    Mãe Senhora do Perpétuo
    Socorrei

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