domingo, 21 de agosto de 2011

Itamar Nego Dito

Ter sido negro, filho de pai de santo e músico autodidata são apenas algumas faces do compositor Itamar Assumpção, nascido em Tietê, interior de São Paulo, em 1949, e falecido em 2003. Criador inquieto, sempre pronto para a novidade, sabia construir intuitivamente a teia de nós entre melodia, ritmo e palavras.
Depois de passagens por montagens teatrais e por festivais amadores de música em Londrina (PR), onde conheceu o compositor Arrigo Barnabé, Itamar surgiu profissionalmente em 1980 com o disco independente Beleléu, leléu, eu, acompanhado da banda Isca de Polícia. Essa produção, um de seus melhores trabalhos, foi importante marca da Vanguarda Paulista, geração de músicos surgida entre as décadas de 1970 e 1980 e centrada no teatro (e depois selo independente) Lira Paulistana. Dentre os artistas da cena estavam Itamar, Arrigo, os grupos Rumo e Premeditando o Breque (ver post de 15/11/2010) e as cantoras Ná Ozzetti e Tetê Espíndola.
Com exceção de um disco com músicas de Ataulfo Alves (de 1995), todos os outros nove, a maioria alternativa, têm criações suas. Influenciado por outros negros, como Jimi Hendrix, Geraldo Pereira, Bob Marley, Miles Davis e Clementina de Jesus, suas composições trazem a marca da experimentação, e ao mesmo tempo, uma intensa ligação com a tradição da canção popular. Tanto que vários artistas de sucesso gravaram obras suas: Zélia Duncan, Cássia Eller, Zizi Possi, Ney Matogrosso, entre outros.
Uma das características é a forte presença rítmica, não como simples música de dança, mas na própria construção do ritmo e nas sutilezas das pausas. Uma explicação para isso está na formação de Itamar como baixista, tendo tocado com Arrigo na banda Sabor de Veneno. O senso rítmico aparece com clareza em Nego Dito, faixa do primeiro disco, cuja linha do baixo sustenta o canto principal e as vozes que simulam onomatopeias.

Nas letras, a criatividade de Itamar é grande, como se vê em Vi, não vivi, gravada por Zélia Duncan em 2005. A letra de amor é toda construída em função da vogal ‘i’, com rimas ricas e inusitadas. Além da forma, outras temáticas revelam as faces do compositor, em Embalos, que descreve a noite paulistana, e Fico louco, que mostra a rebeldia na forma de depoimento, ambas do primeiro álbum.

Em seu último trabalho, o disco Pretobrás, de 1998, uma das canções resume a trajetória errante de Itamar, entre sucessos e desencantos, produções independentes, duas filhas e a pecha de maldito dada pela imprensa. A letra de Vida de artista refaz a corda bamba da vida de quem se presta à criação, construída poeticamente entre duas rimas. Cantada em primeira pessoa, em melodia reiterativa sobre harmonia cíclica (a vida!), ele se coloca sucessivamente como condutor (motorista e mensageiro) e conduzido (passageiro), criador (mezzo engenheiro e costureiro), aventureiro (paraquedista e equilibrista) e religioso (macumbeiro e adventista).

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