quarta-feira, 2 de março de 2011

Chico Science, mestre do mangue

Há exatos 14 anos e um mês (dia 2 de fevereiro de 1997), um acidente de carro entre Recife e Olinda, tirou a vida de uma importante figura da música brasileira e um dos organizadores do manguebeat, cena musical e cultural que removeu o marasmo da capital pernambucana no início dos anos 1990. Dentro do Fiat Uno arrebentado no poste estava o corpo de Chico Science. Seu destino foi tocar e dançar noutro mundo com os mestres de maracatu e os orixás de xangô.
Na turma de jovens que criou o manguebeat, a regra básica era enfiar a antena parabólica na lama do mangue recifense e deixar-se atingir pelas boas vibrações para envenenar os ritmos locais do maracatu, da embolada e da ciranda com as novidades do rock, da soul music, do rap e da música eletrônica. É certo que tais idéias foram desenvolvidas por djs (DJ Dolores), músicos (Fred Zero Quatro, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Gilmar Bola Oito etc.) e agitadores culturais (H.D. Mabuse, Renato L. etc.), mas Chico foi o principal norteador da rapaziada. Foi dele a proposta de juntar os tambores do Lamento Negro, bloco afro de Olinda, com as guitarras de Lúcio do grupo Loustal e a cadência do rap da Legião Hip Hop.
Se Recife se assustou com o poder de tal mistura e gostou do caldo, o resto do Brasil e os gringos ficaram alucinados. O primeiro disco da banda Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos, foi lançado em 1994. Até então, ninguém tinha visto o contato entre a força dos tambores do maracatu-nação (“o som do trovão”) e os riffs da guitarra distorcida do rock; ninguém imaginara as proximidades entre as cadências rítmicas do canto na embolada e no rap; nenhum outro havia colocado a rítmica ondulante da ciranda na música pop ou o groove da soul music na síncope do maracatu; não houve compositor que tivesse conseguido desenhar a cidade de Recife, seus sotaques, expressões e personagens de forma tão simples, direta e íntegra.
Isso foi Chico Science, ouvinte atento dos sons da rica tradição pernambucana e das novidades da cultura pop. Observador das cenas e personagens recifenses, Chico fazia som com garrafas de cerveja (“cascos caos, cascos caos”), lia Josué de Castro (médico que estudara os pobres catadores de caranguejo de Recife) e histórias em quadrinhos (Jacques de Loustal) e se interessava pela teoria do caos.
Claro que seus amigos da Nação Zumbi e do manguebeat sempre estiveram ao seu lado e boa parte de suas criações tem o crédito deles, pois foi o trabalho coletivo que marcou a cena cultural de Recife nos anos 1990 e nos legou esse belo momento de criatividade. Mas, Chico era o centro de convergência, a pele sensível ao toque da informação, o cérebro criativo das misturas.

Um comentário:

  1. Que saudades! A Nação Zumbi é muito boa, mas com Chico era melhor. Tô esperando o próximo cd da Nação sair pra ver se eles mantém a pegada do último que, na minha opinião, foi o melhor sem Science.

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