sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Revolver dos Beatles

Como escrevi no post de 14/ago/2010, o disco Rubber Soul (1965) foi, na carreira dos Beatles, o início da transição das músicas românticas e juvenis para a criação mais experimental e inovadora que se consagraria no famoso LP Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967). Nessa transição, houve um álbum de importância crucial: Revolver, lançado em agosto de 1966. Nele, já estavam instaladas as bases do que seria o Sgt. Pepper’s.
Em primeiro lugar, a capa traz a psicodelia da época numa colagem de fotos e desenhos em preto e branco. Depois, a temática amorosa nas letras não é mais a única. Além de Here, there and everywhere (Lennon/McCartney), uma das mais belas canções de amor, há Taxman, de George Harrison, que critica a cobrança de altos impostos no Reino Unido, Eleanor Rigby (Lennon/McCartney), que traça o perfil de uma personagem triste, e I’m only sleeping, em que John canta a preguiça de ficar jogado na cama assistindo ao mundo passar.
O contato com as drogas, iniciado no ano anterior, aparece em She said, she said (Lennon/McCartney), composta após uma festa regada a LSD e com a presença do ator Peter Fonda. As sensações provocadas pelas substâncias alucinógenas são traduzidas nos arranjos que abusam dos efeitos de estúdio possíveis na época, como fitas tocadas em sentido inverso, ruídos gravados sobre a melodia, vozes soltas etc.

A ligação com a música oriental está indicada nos arranjos com o sitar indiano e as tablas em Love you to (Harrison). Esse disco traz três composições do guitarrista, o maior número em relação a outros álbuns dos Beatles.
As experiências de estúdio são um dos pontos altos do trabalho. O produtor George Martin e o engenheiro de som Geoff Emerick (este com apenas 20 anos de idade) se esmeraram para criar condições técnicas para as loucuras da banda. Por exemplo, como as mesas de gravação da época limitavam-se a 4 canais e havia a necessidade de mais para o registro de instrumentos e efeitos, os técnicos lançaram mão de gravações em sequência de partes do arranjo. Por exemplo, em Eleanor Rigby, o quarteto de cordas foi gravado numa mesa e mixado. Depois, esse acompanhamento foi colocado em um dos canais de outra mesa e os três canais restantes foram usados para as vozes. Várias canções desse álbum foram registradas dessa forma, para usar instrumentos e fontes sonoras alternativas.
Outros equipamentos usados foram as caixas Leslie e o Artificial/Automatic Double Tracking (ADT) na voz. As caixas criavam mecanicamente um efeito de “espacialização” no som gravado (uma espécie de reverberação) e, com isso, proporcionaram nova ambiência sonora em estúdio. O ADT consistia na gravação dobrada para dar a sensação de chorus. Eles são percebidos no canto de John em Tomorrow never knows (Lennon/McCartney), cuja letra se baseava em textos de Thimothy Leary, o papa da contracultura. Junto dos efeitos, o instrumental mistura loopings de fitas gravadas, vozes e o sitar.

Aos nossos ouvidos, tais articulações podem parecer primitivas. Mas, o que se deve observar em Revolver é a sintonia entre invenção artística e criatividade na exploração de técnicas e equipamentos de gravação.

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