quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Samba e política em mais um Zé, o Zé do Caroço

Nos anos 1970, o policial aposentado José Mendes da Silva morava no morro do Pau da Bandeira, ao lado do Morro dos Macacos, no bairro carioca de Vila Izabel. Conhecido como Zé do Caroço e dedicado às causas de sua comunidade, colocou um alto-falante na laje da sua casinha para transmitir notícias importantes aos moradores da redondeza. Até que a esposa de um militar que morava na rua Petrocochino, próxima do morro, reclamou à polícia que o barulho do serviço de alto-falante a incomodava quando assistia à novela.
A história da ação contra a comunidade na época da ditadura foi contada à compositora Leci Brandão que com o tema compôs, em 1978, o samba Zé do Caroço. De tom engajado, a letra retrata o nascimento de um líder comunitário que batalha e “que malha o preço da feira” para ganhar a vida. Diz que ele defende seu povo e o direito deles à informação alternativa, fora, portanto, da alienante televisão “que distrai toda gente com sua novela”. Por isso é “que o Zé bota a boca no mundo/ Ele faz um discurso profundo/ Ele quer ver o bem da favela”. Noutro trecho, a compositora lamenta não haver uma figura como essa no morro da Mangueira, local que frequentava há anos, para mostrar a todos que “Carnaval não é esse colosso/ Nossa escola é raiz, é madeira”.

A composição tem a cara de Leci Brandão, figura ligada à Mangueira, à cultura popular e às causas sociais. De ritmo acelerado e perfil de samba de raiz, a canção foi proibida pela gravadora Polydor quando a sambista iniciava as gravações de seu sexto disco, que sairia em 1981. Não contente e determinada, rescindiu contrato e só gravou outro LP em 1985, já na gravadora Copacabana, com a polêmica faixa no repertório.
Zé do Caroço não é obra datada. Ao contrário, tem vida longa e se desdobra em beleza quanto mais antiga fica. Suas regravações são prova disso. No seu primeiro disco, em 1993, o grupo paulista Art Popular registrou o samba. Em 2000, o grupo carioca Revelação, também em seu primeiro trabalho, incluiu Zé do Caroço.

Se em ambos a estrutura rítmica foi mantida, Seu Jorge deu-lhe nova roupagem, no DVD de 2005 com Ana Carolina, e mostrou como o tema continuava atual. Com sua voz grave e potente e apenas o violão, o cantor diminuiu o andamento para tornar o samba mais arrastado e escancarar a densidade da letra. No ano seguinte, era a vez de Mariana Aydar, também em seu primeiro disco (Leci é madrinha de muitos!), render homenagem ao clássico regravando-o na cadência lenta e com mais introspecção. Por fim, novamente na voz de sua criadora, a música entrou na trilha sonora do filme Tropa de Elite 2, uma das maiores bilheterias do cinema nacional.
O seu José Mendes da Silva faleceu no início dos anos 2000, sabendo que sua história fora imortalizada cantada em verso e prosa. Só não presenciou a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora no Morro dos Macacos no final de 2010 para acabar com a influência de traficantes. Mas, a novela da TV continua...

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Jazz do Peru

Se o jazz já se tornou uma linguagem universal, não é estranho que haja um grupo desse tipo no Peru. Ao mesmo tempo, se a música norte-americana se espalhou pelo mundo, ela não ficou livre de contatos e misturas com outros sons regionais. Pois é o que ocorre nos trabalhos de vários músicos e grupos de jazz na América Latina. Muitos deles trabalham numa chave híbrida, ou seja, com a mescla dos elementos musicais globalizados e os das tradições locais.
Este é o caso do grupo Perujazz, criado em 1984, em Lima, capital peruana. Um álbum muito interessante é o duplo Perujazz en vivo. Suas qualidades estão na experimentação e na criatividade das fusões dos ritmos e instrumentos peruanos com a linguagem livre do jazz contemporâneo.
A formação é bastante inusitada. Por ser composto de contrabaixo (David Pinto), saxofone (Jean-Pierre Magnet), bateria (Manongo Mujica) e percussão (Julio Chocolate Algendones) – portanto, sem um instrumento típico de harmonia, como piano, violão ou guitarra –, o som do grupo soa bastante original.
As melodias são trabalhadas, em muitas faixas do disco, pelo sax e pelo baixo em uníssono, o que resulta numa sonoridade curiosa. Às vezes, algumas músicas lembram as do grupo Weather Report. As semelhanças estão na presença das percussões (Alex Acuña, também peruano, e o porto-riquenho Manolo Badrena, no caso do WR), na proximidade entre os timbres dos baixos do peruano David e de Jaco Pastorius e nos saxes de Wayne Shorter (WR) e de Jean-Pierre.
No entanto, as diferenças são grandes. Neste CD, gravado ao vivo em 30 de novembro de 2001, Chocolate e Manongo são elementos centrais. É pelos seus instrumentos – entre eles, cajon, djembé, cencerro (gonguê), vibrafone e congas – que flui a alma das tradições musicais afro-caribenhas e afro-peruanas costeiras e andinas. São os casos da marinera, dos toques de santeria (o “candomblé” cubano), da rumba, do mambo, entre outros ritmos utilizados.
Algumas criações, sempre coletivas e baseadas na experimentação e no improviso, homenageiam músicos importantes, entre eles, o beatle George Harrison (composta quando ele morreu), o trompetista do jazz Miles Davis e o cubano Perez Prado, o Rei do Mambo. Uma faixa de destaque é El tren (3ª do disco 2). Nela, as percussões (o cajon e o steel drum, um tambor metálico de Trinidad) imitam a dinâmica sonora do trem, próximo ao que fez Villa-Lobos em Trenzinho caipira. Segundo o encarte do disco, este tema foi tocado num presídio na Itália e preocupou os guardas, pois fez com que os detentos gritassem com as sensações acústicas de liberdade!

O disco é representativo do trabalho do grupo, que já tocou em festivais de jazz na América e na Europa. O fato de ter sido gravado ao vivo faz com que suas experiências apareçam claramente e revelem ao ouvinte todas as atmosferas sonoras criadas por Perujazz.