terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Da América do Sul para a América do Sul

Só estudando história para entender os motivos de sabermos tão pouco sobre nossos vizinhos sul-americanos. Mesmo tendo proximidades culturais, origens afro-ibéricas comuns e processos históricos paralelos, houve elites e imperialismos que distanciaram os países da América do Sul. Hoje, continuamos próximos, porém, estranhos.
Na música, esse desconhecimento é gritante, a ponto de ouvirmos muita música norte-americana e européia e estranharmos os belíssimos gêneros de nossos irmãos de continente. Pois foi contra esse isolamento e a favor da riqueza musical sul-americana que se colocou o pianista Benjamin Taubkin ao criar o coletivo América Contemporânea, em 2005, a partir de um show no festival “Todos os Cantos do Mundo”, em São Paulo.
Taubkin convidou oito músicos com larga experiência de sete países do continente, realizaram apresentações no Brasil, Estados Unidos, América Latina, Canadá e Espanha e gravaram o CD “América Contemporânea – um outro centro” (selo Núcleo Contemporâneo, do próprio pianista). Além de Taubkin, o grupo é formado pelo saxofonista e flautista Alvaro Montenegro (Bolívia), pela cantora Lucia Pulido (Colômbia), pelo violonista Aquiles Báez (Venezuela), pelo percussionista Luis Solar Narciso (Peru), pelo percussionista Ari Colares (Brasil), pelo rabequeiro pernambucano Siba, pelo baixista Christian Galvez (Chile) e pelo multi-instrumentista e cantor Carlos Aguirre (Argentina). No disco, há também a participação especial do pianista e compositor brasileiro José Miguel Wisnik.
Lançado em 2006, o CD traz sotaques musicais distintos que se mesclam em ótimas performances por conta da qualidade dos músicos. Cada uma das 10 faixas mostra uma tradição rítmica de um desses países, seja em composições próprias ou em canções de domínio público. Essas músicas locais são trabalhadas em novos e modernos arranjos que põem em destaque várias possibilidades de criação presentes nas melodias tradicionais, nos timbres instrumentais (os de percussão são muito interessantes!), nos cantos e nos arranjos.
É difícil destacar um ou outro músico, já que todos têm características muito especiais. No entanto, sugiro uma maior atenção para alguns deles, como o exímio violonista Aquiles Báez, o baixista Christian Galvez e sua técnica apurada, o belo timbre de voz de Lucia Pulido e o percussionista Luis Solar, cujo solo de cajon, instrumento afro-peruano, na faixa "Cajoneando" é ótima lição de ritmo. Além, obviamente, do piano do próprio Taubkin, dos tambores de Ari Colares e da voz peculiar e da rabeca de Siba.
Não se trata de disco de músicas tradicionais para ouvidos de turistas ou folcloristas, mas de trabalho moderno e competente que utiliza a tradição para muitas descobertas sonoras.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Os clássicos solos de guitarra

O solo de guitarra é uma das principais partes que se ouve em um rock. O instrumento, sua empunhadura e seus timbres parecem representar todo o conceito que define esse gênero e sua história. Nada contra baixos, teclados, sopros e baterias. Quero dizer que, da mesma forma que violino e piano são a cara da música erudita, violão e pandeiro são a imagem do samba e um bandoneon é a alma do tango, a guitarra simboliza completamente o rock. E, numa música, seu solo é momento sublime e expressivo do guitarrista, quando demonstra técnica e sensibilidade melódica em relação aos outros elementos que compõem a música.
Por isso, penso em quais seriam os solos mais importantes da história do rock, aqueles que identificam uma música mais até que a letra ou a voz do cantor. Por exemplo, nas origens do gênero, imagine ouvir "Roll over Beethoven", de 1956, sem o solo de Chuck Berry e sua performance sobre uma perna dobrada e outra esticada à frente? Sem isso, essa música simplesmente não existiria!
Entre os anos 60 e 70, estão os exemplos clássicos. Não há como não citar os solos de Jimi Hendrix em "Purple Haze", do “deus” Eric Clapton em "Cocaine", de Ritchie Blackmore em "Smoke on the Water", de Brian May, do grupo Queen, em "Bohemian Rhapsody", de Jimmy Page na delicada "Starway to Heaven", imortalizado nas imagens do filme "The Song remains de Same", de 1976 (os shows eram de 1973), ou no dueto das guitarras de Don Felder e Joe Walsh em "Hotel California", do grupo Eagles, também de 1976. Essas músicas devem muito aos seus solos e, se não fossem os guitarristas, talvez nem tivessem a mesma repercussão.
E, como não falar das melodias de David Gilmour, do Pink Floyd, em "Time", do mitológico disco The Dark Side of the Moon, e em "Comfortably Numb", do álbum The Wall? Também não dá pra esquecer os solos de Carlos Santana na suingada "Black Magic Woman" e na melodiosa "Europe".
Nos anos 80, há os “guitar heros”, título que indica técnica, timbre e velocidade de instrumentistas como Ed Van Halen (ouça "Jump", por exemplo) e Steve Vai ("For the Love of God" é representativa). Mas existem os que mantêm a energia do volume e da distorção, como no solo de Angus Young, do australiano AC/DC, em "Back in Black", ou no de Slash, do Guns N’Roses, na música "Sweet Child O’Mine".
Até mesmo no rock brazuca, há solos de fantásticos músicos, como o arranjo melódico das guitarras de Sergio Hinds na progressiva "1974", do grupo O Terço, ou a linguagem musical brasileira de um Pepeu Gomes, em "Malacaxeta". Da mesma forma, é impossível desconectar o sucesso de "Ovelha Negra", cantado por Rita Lee, do solo de Luiz Carlini. E o que dizer de "Bete Balanço" sem o som do jovem Roberto Frejat?
A lista certamente é grande e devo ter cometido algum esquecimento. Alguém sugere outros solos inconfundíveis e clássicos na história do rock?

(Publicado, com pequenas modificações, em outubro de 2009 no site www.entermagazine.com.br)