terça-feira, 4 de outubro de 2011

A metáfora de Gil poeta

Uma das funções da arte é falar dela própria. O filme quando trata do ato de filmar, o livro que discorre sobre a escrita ou a peça teatral construída para demonstrar o que é teatro são exemplos desse efeito, cujo nome é metalinguagem. Pode parecer petulante, mas todo artista traz dentro de si alguma especulação sobre sua própria atividade.
No campo da música popular, um caso bastante inteligente e criativo está na canção Metáfora, de Gilberto Gil, gravada no disco Um Banda Um, de 1982. Nela, o autor tenta explicar a dinâmica de trabalho do artista, usando o exemplo do poeta que maneja as palavras em seu ato de composição.
A música começa com leve assobio em andamento lento. Numa delicada melodia, Gil indica na letra o mundo inusitado, incerto e paradoxal da arte a partir de uma situação aparentemente fútil ao citar uma “lata”: “Uma lata existe para conter algo / Mas quando o poeta diz: ‘lata’ / Pode estar querendo dizer o incontível”. Na segunda estrofe, um conceito também usual (“meta”) tem seu sentido alterado pela mágica do poeta: “Uma meta existe para ser um alvo / Mas quando o poeta diz: ‘meta’ / Pode estar querendo dizer o inatingível”.
O compositor cita duas possibilidades nas quais a obviedade das coisas do mundo é invertida em nome da criação artística. Mas, não para por aí. Na sequência, de maneira ousada e com acompanhamento instrumental marcado, quase marcial, questiona quem se atreve a exigir alguma racionalidade do artista com relação à sua “lata” e responde a quem não percebe que “… ao poeta cabe fazer / Com que na lata venha a caber / O incabível”.
O poeta (na verdade, o próprio compositor) demonstra sua capacidade inventiva em dois momentos nítidos. Em primeiro lugar, em “tudonada” (escrito assim mesmo!), neologismo que comprime a oposição das palavras. Depois, na brincadeira com a palavra final, cujo sentido estrito é “não ter cabimento”, ou seja, não ter sentido ou não estar no lugar correto. Para o autor da canção (como para todo artista criativo), qualquer coisa tem cabimento, qualquer coisa cabe em qualquer lugar, dependendo do seu objetivo de criação.
No último trecho, Gil decreta a impossibilidade de o interesse do poeta ser discutido, pois sua lata está longe de ser absoluta e sua meta pode estar dentro ou fora. Porém, ao mesmo tempo, insinua a possibilidade de entender o trabalho artístico quando aproxima duas palavras importantes – “meta” e “fora” – de forma lúdica: “Deixe a sua meta fora da disputa”.
Na linha final (antes de assobiar um pedaço da melodia de Penny Lane, dos Beatles, como quem não quer nada com nada...), tudo se resolve nesse campo de indeterminações, pois, a rigor, a alma do trabalho do poeta está naquela figura de linguagem tipicamente criativa que utiliza coisas para falar de outras coisas: a metáfora.

2 comentários:

  1. Qualquer coisa cabe em qualquer lugar, qualquer significado se encaixa em qualquer abstração. Esse é um dos grandes princípios de qualquer tipo de arte!

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  2. que merda. Não entendi nada, isso ta muito confuso, poderia organizar melhor.

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