quarta-feira, 1 de junho de 2011

João Gilberto 80 e "Chega de saudade"

Aproveitando os 80 anos de João Gilberto, é oportuno relembrar uma música representativa da importância que tem na bossa nova. O exemplo da estética do “banquinho e violão” é Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, expressiva dupla de compositores da música brasileira, na sua interpretação clássica feita por João entre 1958 e 1959.
Dentre as várias novidades desse samba, dois pontos são básicos. Um deles está na construção de acordes que acompanha a melodia do canto. Se a tonalidade em ré menor indica já um tom sentimental na harmonia, a diferença está nos acordes invertidos com terças, quintas, sétimas e nonas no baixo em vez da tradicional tônica (a nota que dá nome ao acorde), coisas não tão usadas pelos músicos de samba na época. Tom colocou as inversões para alterar o acompanhamento de uma melodia também diferente para os padrões do samba.
Um segundo ponto está na letra, com uma grande inversão da noção de amor. Nos anos 1950, o samba-canção trazia a marca da dor de cotovelo, do amor impossível ou não correspondido. Chega de saudade também começa assim, com o amante reclamando penosamente a saudade da mulher amada. Pede que ela volte, pois não aguenta a saudade e “que sem ela não há paz / não há beleza / é só tristeza...”.
No entanto, a surpresa aparece no meio da letra quando Vinícius muda o sentido da dor de amor apresentada no início. A partir da frase “Mas, se ela voltar, se ela voltar...”, percebe-se que o amante se livra da saudade e projeta o encontro com a amada como num sonho: “Que coisa linda, que coisa louca”. Inclusive, compara o grande número de beijos que dará em sua boca com o número de “peixinhos” (o diminutivo aumenta o tom carinhoso de quem fala) no mar! O mesmo ocorre com os abraços, repetidos para indicar as loucuras de amor imaginadas numa espécie hipérbole sensual.
Acompanhando essa mudança na letra, há também uma alteração na harmonia, percebida pela colocação de um acorde com sétima maior no início daquela frase. Isso faz com que a música se “solte” e expresse com melhor nitidez a vontade de amor do personagem, como se o som “ajudasse” o cantor a mudar seu modo de falar.

A canção fora gravada por Elizeth Cardoso, no início de 1958, no LP Canção do amor demais (selo Festa), com o acompanhamento da famosa batida do violão de João Gilberto. Esse elemento rítmico criado pelo músico baiano e gravado pela primeira vez nesse disco é outro ingrediente de inovação.
Entre julho e agosto daquele mesmo ano, João lança pela Odeon a bolacha de 78 rpm com Chega de saudade, de um lado do disco, e Bim bom, do outro. Em 1959, sai seu primeiro LP com, novamente, essa gravação.

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