segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Hitler com graça em meu coração

Para os mais novos, falar da dupla Alvarenga e Ranchinho pode parecer pejorativamente coisa de caipira ou, no máximo, aquela imagem amarelada de antecedentes do pop sertanejo atual. No entanto, esses artistas tiveram uma longa e criativa carreira de sucesso. Começaram em 1933 cantando no Circo Pinheiro, em Santos, e trabalharam até a morte de Alvarenga, em 1978. O primeiro disco foi gravado em 1936, pela Odeon, e se seguiram outros cerca de 600 78 rpm (aqueles bolachões antigos com uma faixa de cada lado) e 30 LPs. Foram cantores de rádio em São Paulo e Rio de Janeiro e tiveram participações em vários filmes nacionais e em programas de TV.
O linguajar interiorano da dupla era sempre carregado, destacando os ‘r’ e palavras como “vancê” e “famía”. Esse aspecto é possível perceber em uma de suas peças de maior sucesso, a valsinha Romance de uma caveira. Gravada em 1957 pela dupla e regravada por vários outros intérpretes, descrevia os sentimentos e o inusitado namoro no cemitério.
Outra peça curiosa é Drama de Angélica, de 1947. Nesta valsa trágica, eles narram em versos terminados com estranhas palavras paroxítonas os problemas de saúde e a morte da amada. Já na moda de viola Tudo tá subindo, de 1953, o modo caipira de falar e ver a vida traduz uma ácida crítica à alta dos preços e do custo de vida.

A principal tônica de seus trabalhos era o humor e Alvarenga e Ranchinho foram muito conhecidos pela sátira. Suas modas zombavam de questões marcantes da época em que eram lançadas. Satirizaram Getúlio Vargas, vários políticos, líderes fascistas, o divórcio, a situação precária dos bondes em São Paulo e a troca de moeda para o cruzeiro em 1943. Até o engajado Geraldo Vandré com sua famosa Disparada (cantada por Jair Rodrigues no festival da TV Record de 1966) foi alvo do humor da dupla.
Um exemplo da verve satírica na política está em 1943, na versão bem humorada de Alvarenga e Ranchinho para o conhecido fox Always in my heart. Com o nome Sempre no meu coração, a letra ironizava os fascistas em plena segunda guerra mundial. Nesta gravação, é importante destacar, no arranjo musical, os sons de batidas em madeira (provavelmente) que simulam tiros de revólver, o acompanhamento de sanfona (estranhíssimo para um fox) e a hilariante interpretação do clarinetista Luiz Americano a imitar com seu instrumento cantos de galo e séries de gargalhadas. Neste caso, a performance do músico redobra a comicidade da letra a zombar de líderes de direita.
Ouça essa gravação no acervo de músicas do Instituto Moreira Salles - http://ims.uol.com.br/
Pela extensa carreira, pelas relações com temas políticos e do cotidiano e pela qualidade de seu humor, a dupla foi um marco na música caipira e na história da cultura do país.

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