segunda-feira, 1 de março de 2010

A maluquice interessante do air guitar

Dentre os elementos que caracterizam o rock, o solo de guitarra é um dos que mais se destaca. Desde Bill Haley até as versões atuais, a performance do guitarrista, o formato do instrumento, os timbres e efeitos usados e as melodias marcam a alma do gênero. O solo de guitarra é um dos pontos altos da música, tanto que os ouvintes esperam ansiosos por sua chegada e aumentam o volume quando o músico executa as primeiras notas. É quase o cartão de visitas, já que a banda pode ser reconhecida pelo timbre ou pelo desenho melódico usados pelo guitarrista.
A empatia do público chega inclusive aos movimentos corporais do músico que empunha essa espécie de cetro mágico para orientar o ritual sonoro e visual do show. Quando reconhecido, a performance vira expressão artística dentro rock e marca de identidade dos músicos.
A prova da força dessa performance está nos campeonatos de air guitar, concursos de pessoas que criam com gestos um suposto guitarrista de rock tocando, porém, sem o instrumento em mãos. Pode parecer absurdo e esquizofrênico, mas há vencedores escolhidos por um júri que avalia a melhor performance instrumental num palco com luzes, play back e sem a guitarra!
Em agosto de 2009, na 14ª edição (acredite, houve 13 anteriores!) do Air Guitar World Championship, na Finlândia, um francês chamado Sylvain Günther Love Quimene foi o grande vencedor. Curioso é que os premiados não precisam, necessariamente, saber tocar. Aliás, os participantes desse festival devem ser exatamente aqueles que não conhecem nada de música. No entanto, numa aparente contradição, têm a rara sensibilidade de traduzir nos trejeitos corporais toda a intensidade e a gama de respostas físicas que o som provoca num músico real. Acabam se igualando aos músicos sem o serem realmente.

Não se trata de mera cópia, como se o “instrumentista” tentasse imitar a apresentação de seu guitarrista preferido. Não temos aqui nenhum tipo de elogio a este ou aquele guitar hero, alvo de real idolatria pela exuberância de sua técnica. O que vale é a atuação desse “músico” como um performático do rock no palco sob o registro de câmeras e olhares do público ávido pelo espetáculo corporal travestido de mentira.
Apesar da aparente falsidade, o que se vê ali não é exatamente mentira ou algum tipo barato de cover. Simplesmente, o fulano está sendo sincero em reproduzir a expressão pura do guitarrista. Ali está uma das essências dessa música: um corpo no ar quase sem limites adaptado virtualmente ao instrumento que melhor caracteriza o gênero e sua cultura. Parece estranho, mas assistir às apresentações postadas no You Tube, de certa forma, chega a empolgar tanto que o tal músico virtual passa a encantar nossos olhos quase da mesma forma que nossos ouvidos são agraciados pelo som.
Sim, claro, é coisa de maluco. Mas, atire a primeira pedra quem for normal ouvindo rock!

Publicado, com adaptações, em setembro de 2009 em www.entermagazine.com.br

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